Comportamentos

A inveja: um ponto contra a auto-estima

 
Pode parecer estranho ter de reconhecer que, apesar de negativa, a inveja é uma característica humana que, ao invés de nos destruir, deve constituir um ponto de força.

 
Se invejamos alguém, é porque, no fundo, sabemos que possuímos mais qualidades do que aquelas que demonstramos. Se alguém nos inveja, é porque efetivamente somos superiores. Nesta dimensão, devemos encarar a inveja como algo positivo, mas que precisa de ser controlado e consertado na nossa vida.
 
Muitos especialistas afirmam que, o povo português é naturalmente invejoso e que se trata “de um problema ancestral”, uma vez que, o facto de sermos um país pequeno e com um percurso histórico que pouco tem enaltecido as pessoas, faz com que os populares se sintam minimizados perante os demais. Essa sensação de inferioridade, dá espaço a que se cobice as conquistas dos outros e que se desvalorize aquilo que se alcança por parecer sempre insuficiente e insignificante.
 
Há mesmo quem afirme que, os feitos heróicos do passado se devem a pura inveja de saber que existiam outros povos mais fortes e mais abonados, pelo que, o que nos move, é a sensação de que há mais e melhor e que nós queremos ter nem que seja através da destruição do outro ou de alguém.
 
Este é o princípio errático da inveja: querer obter a partir da anulação de que tem mais, através da destruição da imagem ou da tentativa de conquista do lugar que alguém ocupa, não porque se tenha mais capacidades, mas por que se pretende imitar ou alcançar um objetivo em linha reta; sem esforço, sem análise de pontencialidades ou mesmo sem ponderar os riscos das nossas atitudes destrutivas.
 
Ora analisando a inveja nesta perspetiva, pode dizer-se que, certo ou errado, acabamos por lutar a partir da sensação negativa, o problema é que depois das conquistas, a nossa autoestima não fica reforçada, isto porque apenas se faz para provar que se é capaz, não por orgulho ou melhoria da qualidade de vida. É quase como se, o primeiro intuito fosse afastar do caminho o que nos perturba para que nos sintamos melhor, mas não saibamos desfrutar da conquista por que sabemos que ela não nos pertence por direito ou mérito.
 
Assim sendo, terá mais lógica que se viva a inveja numa dimensão mais positiva; como um despertar para algo que podemos desenvolver dentro de nós mesmos e, a tarefa não é assim tão complicada, pois quando sabemos aquilo que somos capazes de realizar, mais facilmente colocamos em marcha uma lista de objetivos adequados ás nossas características, mas sempre com valores morais como pano de fundo, nomeadamente sabendo esperar pelo momento certo e criando as oportunidades, pois ninguém deve estar radicado a um posto sem que exista quem possa fazer melhor, tal como não se deveriam destituir talentos, por mera inveja e vontade de criar uma oportunidade à força e sem qualquer sentido. 
 
Isso acontece muito nas subidas na carreira, nos cargos políticos e daí por diante, mas não só! A inveja existe nas coisas mais banais do nosso quotidiano, pelo que sem nos darmos conta, há alguém que nos quer “tramar” só porque idealizou uma vida semelhante à nossa… E, muitas vezes consegue, mesmo com o peso de não ser feliz com a sua atitude, mesmo não conseguindo o mesmo mérito e realização, mas fez por maldade e, claro, inveja e abuso de poder!
 
Quantas pessoas não estariam mais talhadas para ocupar uma determinada posição e não conseguem porque os “invejosos” conseguiram contornar o sistema e sofrer a frustração de um percurso perdido? Vale a pena refletir acerca destes pontos antes de agir e ambicionar de forma desenfreada sem pensar nas consequências.
 
Encarando a inveja como um mero despertar para outras possibilidades, o sentimento negativo passa para um segundo plano, já que funcionou apenas como uma inspiração saudável para encontrarmos potencialidades, para lhes darmos forma e luta para adequarmos os objetivos ás nossas capacidades.
 
Desligamo-nos da vida alheia e concentramo-nos nos objetivos que traçamos e, raramente voltamos a sentir inveja pois percebemos que, afinal temos um mundo dentro de nós por descobrir e que é mera perda de tempo cobiçar as sensações e oportunidades de quem conquistou essas apetências antes de nós.
 
No fundo, a inveja deve caminhar lado a lado com a humildade para reconhecer que se gostaria de ter uma vida melhor, mas que temos sempre de contextualizar as nossas potencialidades. Não é garantido que, por querermos algo do outro, sintamos a mesma realização ou alguma felicidade, pelo que o primeiro passo é sempre partir de nós para o mundo e não ao contrário.
 
É fundamental cortar com o aspeto negativo da inveja que nos destrói diariamente, já que é a frustração de ver o que os outros conseguem construir e nós não. Essa sensação coloca-nos em permanente ansiedade, desespero e sem autoconfiança para prosseguir. Olhamo-nos ao espelho com uma sensação de mau-estar terrível porque queríamos estar na posição que outro está a ocupar e, ao mesmo tempo, sentimo-nos mal por nada fazermos em prol do nosso sucesso.
 
Aos poucos, assumimos uma postura de vergonha e de perda de força porque sabemos que perdemos demasiado tempo com a “vida alheia” e que essas horas deveriam suportar a realização dos nossos sonhos.
 
É sabido que, há pessoas que vivem mais a vida dos outros que a sua, mas que vencem aqueles que transformam esses sentimentos em luta, inteligência, coragem, organização e habilidade para enfrentar o seu quotidiano.
 
Cobiçar gratuitamente a casa, o carro, o emprego e a conta bancária do vizinho é o mesmo que promover a anulação de quem somos. Se pelo contrário, dissermos a nós próprios, vou tentar saber como é que os outros fazem para concretizar as coisas e depois reproduzir com as minhas qualidades, seguramente que estamos a avançar na vida em prol da nossa felicidade.
 
Inicialmente devemos assumir a inveja: “sim tenho inveja do que aquela pessoa tem”, pois escondendo a realidade ainda mais faz aumentar a sensação destrutiva. Depois devo dizer a mim mesmo:” está na hora de trabalhar e de orientar as minhas escolhas neste sentido, correndo riscos como todos correm, pois nada me cairá do céu”.
 
Ao mesmo tempo, temos aquele tipo de pessoa que vive apavorada com a ideia de ser invejada… Nada mais destrutivo, pois se alguém ambiciona o que temos, é porque lhe dá valor, logo cabe a quem inveja lutar pelo mesmo. A sensação de medo dá lugar a perdas e a um sentimento negativo, ao invés de valorizarmos as nossas conquistas. Cabe a cada pessoa o seu percurso e escolhas, pelo que nada temos a ver com a frustração que sentem pelo que temos. Se pudermos ajudar, ótimo, mas na maioria das situações as pessoas invejam gratuitamente, não cobiçam o esforço e o talento desenvolvido.
 
Quer isto dizer que, devemos lidar naturalmente com a inveja dos outros, pois só fazendo de conta que não existe é que podemos continuar de bem connosco próprios. Cada um terá de se responsabilizar pelos seus sentimentos, já que não existe uma fórmula exterior para tornar pessoas felizes; é um processo interior que assenta nos valores pessoais.
 
Se uma pessoa é educada para invejar os outros, dificilmente conseguirá transformar esse sentimento em luta sem uma mudança de atitude e de pensamento; não poderá ser a sociedade e os amigos a dar resposta a um problema pessoal que precisa de ser tratado tecnicamente.
 
Ninguém possui a capacidade de mudar o mundo a partir da inveja: não é por não querer a riqueza que ela deixa de existir, tal como não se podem destruir os problemas gerais para que sejamos felizes. O processo baseia-se na aceitação da realidade e no nosso posicionamento face à mesma. Se cada um fizer a sua parte, certamente que a vida será facilitada no todo.
 
Melhorar a autoestima, é ter consciência de que, não é invejando o namorado ou o marido da amiga que se vai ter uma relação ideal. As relações são uma construção entre quem as vive e não há um modelo de sucesso que se possa retirar de um lado para o outro.
 
Cobiçar a vivenda do vizinho não é a forma de a adquirir, muito menos uma garantia de que a mesma nos faria felizes.
 
Talvez se não andássemos tanto a reboque destas frases e ideias do passado, já soubéssemos que, a autoestima depende da força que cultivamos diariamente dentro de nós e que nos movimenta os sonhos, a luta e a conquista.
 
Acima de tudo, a autoestima depende da nossa capacidade de aceitar que, somos todos diferentes, únicos e especiais e que não são os outros que nos devem valorizar, mas sim nós gostarmos do que fazemos, do que somos, do que idealizamos e que podemos sempre mudar as regras ao longo do percurso, pois perceber que um caminho não nos conduz ao desejado, é uma prova de inteligência e autoconfiança que nos permite mudar a direção.
 
Para quê perder tanto tempo a invejar os outros?!
 
Fátima Fernandes