Comportamentos

A positividade tóxica afeta a saúde mental. Sabe porquê?

 
À primeira vista pode parecer estranho afirmar-se que a positividade pode ser tóxica e afetar a saúde mental, mas ao conhecermos mais de perto esta realidade vamos compreender a que se referem os especialistas nesta matéria.

Para começar, é importante referir que, a sociedade moderna instituiu que temos de andar bem dispostos, sorridentes, sempre com bom humor e com capacidades infinitas. Este nível exagerado de existência acaba por colocar o ser humano muito acima das suas capacidades e, cada vez com mais dificuldade em encontrar o necessário tempo e espaço para estar triste. Sim, todos temos momentos de tristeza sem que estejamos deprimidos, todos temos dias negativos, momentos de falta de paciência e de desmotivação. Todos temos momentos em que não nos apetece sair de casa sem que, por isso estejamos doentes ou deprimidos. Sem nos darmos conta, fomo-nos habituando a cumprir em excesso, um papel social que, com o passar do tempo se torna incomportável, uma vez que, a nossa vida se processa de altos e baixos e, sem a tristeza também não sabemos o que é a alegria, pois conhecemo-nos através dos opostos.
 
É nesse sentido que a positividade se tem tornado tóxica: quando somos obrigados a sorrir quando temos vontade de chorar, quando dizemos “sim”, quando na realidade queríamos dizer “não” e daí por diante. Com estes altos níveis de exigência, fomo-nos habituando a “esconder os problemas debaixo do tapete” e a fazer de conta que nada se passa quando, no fundo, estamos ansiosos, preocupados, tristes com alguma coisa ou desanimados por termos de ser assim.
 
É verdade que todos cumprimos o melhor possível o nosso papel social, mas também é um facto que temos direito de dizer um pouco do que sentimos sem que sejamos vistos como frágeis ou doentes. Não traz mal ao mundo dizer que se dormiu mal a noite, que se está triste com a perda de um familiar, que se anda inquieto com algo, pois é isso que nos torna humanos e portadores das nossas próprias características. É evidente que, quando estamos muitos dias no mesmo registo negativo, isso torna-se desagradável para nós mesmos e para os outros, pois o ideal é que vivamos as nossas emoções o melhor possível. Se por um lado estar sempre contente para agradar os outros é falso e negativo, estar sempre deprimido é motivo de alerta para algo que não está bem, por isso devemos estar atentos ao que se passa connosco, sendo que, o autoconhecimento é uma preciosa ajuda em ambos os casos.
 
Neste ponto é de ter em conta o pensamento do escritor americano Mark Manson:
 
"Qualquer tentativa de escapar do negativo — evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo — falha. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento".
 
É precisamente nisso que consiste a positividade tóxica ou positivismo extremo: impor a nós mesmos - ou aos outros - uma atitude falsamente positiva, generalizar um estado feliz e otimista seja qual for a situação, silenciar as nossas emoções "negativas" ou as dos outros.
 
É muito comum que, ao falarmos abertamente com alguém sobre algo que nos inquieta, o outro dizer: tens de pensar positivo!, o que não é uma boa solução, pois o que o outro precisa é mesmo de desabafar, de contar o que está a sentir, não de esconder essa emoção e fazer de conta que nada se passa.
 
À BBC News Mundo, o psicólogo da saúde Antonio Rodellar, especialista em transtornos de ansiedade e hipnose clínica, prefere falar em "emoções desreguladas" do que "negativas". Para este especialista, “a paleta de cores emocionais engloba emoções desreguladas, como tristeza, frustração, raiva, ansiedade ou inveja. Não podemos ignorar que, como seres humanos, temos aquela gama de emoções que têm uma utilidade e que nos dão informações sobre o que acontece no nosso meio e no nosso corpo", explica Rodellar.
 
Para a terapeuta e psicóloga britânica Sally Baker, "o problema com a positividade tóxica é que ela é uma negação de todos os aspetos emocionais que sentimos diante de qualquer situação que nos represente um desafio."
 
"É desonesto em relação a quem somos permitir-nos apenas expressões positivas", diz Baker. "Negar constantemente tudo o que é 'negativo' que sentimos em situações difíceis é exaustivo e não nos permite construir resiliência [a capacidade de nos adaptarmos a situações adversas]."
 
"Isso isola-nos de nós mesmos, das nossas verdadeiras emoções. Escondemo-nos atrás da positividade para manter as outras pessoas afastadas de uma imagem que nos mostra imperfeitos."
 
Ainda segundo a BBC News Mundo, "a psicologia positiva foi popularizada pelo psicólogo Martin Seligman, que trabalhou muito com os problemas da depressão e deu uma perspetiva diferente para lidar com diferentes problemas, situações ou patologias", explica Rodellar.
 
Na década de 1990, Seligman, então presidente da Associação Psicológica Americana (APA), disse numa conferência que a psicologia precisava de dar um novo passo para estudar do ponto de vista científico tudo o que torna o ser humano feliz. Nesse sentido, o psicólogo americano explicou que o pessimista não nasce, mas é criado. "Aprendemos a ser pessimistas pelas circunstâncias da vida."
 
No entanto, o mesmo especialista também disse que podemos lutar contra esse pessimismo e transformar os nossos pensamentos negativos em mais positivos. Mas isso não quer dizer que, se a pessoa se sente triste, tem que se concentrar em ser feliz. Na verdade, quem fizer isso provavelmente cairá na armadilha da positividade tóxica porque, para trabalhar as emoções negativas, a pessoa não pode ignorá-las. Primeiro deve reconhecê-las e aceitá-las.
 
Segundo o mesmo especialista, «Às vezes dizer que está tudo bem não é a solução para os problemas. O segredo é não levar o positivismo ao extremo».
 
"O conceito de psicologia positiva ficou um pouco distorcido com o tempo", diz Rodellar. "Focar nos aspetos positivos das diferentes situações que ocorrem na vida pode ser terapêutico e construtivo. O problema é que levado ao extremo pode gerar uma baixa capacidade de enfrentar situações negativas."
 
"A psicologia positiva aplicada corretamente é uma prática muito útil, mas usada indiscriminadamente gera uma visão muito parcial da realidade e um sentimento de desamparo. Negar situações dolorosas e prejudiciais na vida é como ver a realidade com um só olho", acrescenta Rodellar.
 
É fundamental ter em conta que, bloquear ou ignorar emoções "negativas" pode ter consequências para a saúde.
 
"Todas as emoções que reprimimos são somatizadas, expressas através do corpo, muitas vezes na forma de doença. Quando negamos uma emoção, ela encontrará uma forma alternativa de se expressar", diz Rodellar.
 
"Suprimir as emoções afeta a saúde. Se a pessoa esconder as suas dificuldades mentais por trás de uma fachada de positividade, elas vão refletir-se de maneiras alternativas no corpo, indo desde os problemas de pele à síndrome do intestino irritável", explica Sally Baker.
 
"Quando ignoramos as nossas emoções negativas, o nosso corpo aumenta o volume para nos voltar a atenção para esse problema. Suprimir as emoções esgota-nos mental e fisicamente. Não é saudável e não é sustentável a longo prazo", diz a terapeuta.
 
Uma segunda consequência, diz Rodellar, é que "quando nos concentramos apenas nas emoções positivas, obtemos uma versão mais ingénua ou infantil das situações que nos podem acontecer na vida, de modo que nos tornamos mais vulneráveis aos momentos difíceis".
 
Teresa Gutiérrez, psicopedagoga e especialista em neuropsicologia, considera que "o positivismo tóxico tem consequências psicológicas e psiquiátricas mais graves do que a depressão".
 
"Pode levar a uma vida irreal que prejudica a nossa saúde mental. Tanto positivismo não é positivo para ninguém. Se não houver frustração e fracasso, não aprendemos a desenvolver as nossas vidas", disse à BBC Mundo.
 
Perante estas explicações, percebe-se o erro de andarmos tão preocupados com as nossas publicações nas redes sociais. Já todos nos demos conta de que, só se publica o sucesso, o positivo, pelo que, quem não está nessa linha, não consegue colher os “likes” pretendidos. Mas para onde vamos com essa obsessão pela positividade? Como vimos acima, é mesmo assim que podemos adoecer, pois o nosso corpo e a nossa mente não suportam tanta mentira, fingimento e, sobretudo, fuga. Deixamos a reflexão: talvez não seja por acaso que, no fundo as pessoas estejam cada vez mais tristes e deprimidas, mas como, se as redes só mostram sucesso e alegria? É mesmo dentro de nós que tudo se complica e, como a verdade vem sempre a lume, não é de admirar que a depressão esteja a subir em flecha em todo o mundo. Na verdade, precisamos de ser mais otimistas, mas realistas ao mesmo tempo. Precisamos de dizer o que está bem, mas o que está menos bem também. Quem aprender a fazer isso, certamente que viverá com mais liberdade e felicidade.
 
Fátima Fernandes