Comportamentos

Como reagir aos comentários negativos de quem amamos?

 
Na posição dos especialistas em comportamento humano, um comentário negativo proveniente de alguém que nos é muito próximo e especial, «pode deixar-nos cicatrizes que se prolongam pela vida fora».

A nossa memória regista de forma privilegiada quando um pai nos diz: «não prestas para nada, não sabes fazer nada, nunca serás alguém na vida», ou quando uma mãe nos magoa com algo deste tipo: «não és nada do que imaginei, não sei onde estava com a cabeça quando pensei em ter filhos ou tenho vergonha de ti».
 
O que nos fere profundamente é arquivado na memória e renovado permanentemente, a ponto de alterar o funcionamento do nosso diálogo interno. Quando um pai ou uma mãe nos diz algo tão horrível, passamos a acreditar naquilo que ouvimos e a duvidar das nossas próprias capacidades, facto que nos afeta a autoestima e a nossa autoimagem e, quando essas expressões negativas são continuadas, ainda é pior, já que agrava esse mal-estar que desenvolvemos por nós mesmos.
 
É também verdade que, quando um parceiro/a nos diz algo de negativo e destrutivo, igualmente essa informação é registada na nossa memória, tal como aquela expressão infundada de um amigo.
 
Em muitos casos, a pessoa acaba por pedir desculpa quando se apercebe do erro, mas mesmo assim, torna-se muito complicado conviver com alguém que nos disse algo de tão negativo e, na maioria dos casos, até mais do que uma vez.
 
Um simples «desculpa, mas não foi com intenção, ou um não volto a repetir o que disse», podem não ser suficientes para minimizar o impacto destrutivo do que foi dito, reforçam os especialistas.
 
Na prática, torna-se difícil perdoar estas pessoas porque a vítima sente que a situação se pode repetir a qualquer momento e que a pessoa que teceu esse tipo de comentários não o fez de forma pontual, mas sim porque essa é uma característica da sua personalidade. Por norma, são pessoas que precisam de chamar a atenção dos outros e que o fazem através de expressões de autoritarismo, de gozo e de humilhação, são indivíduos de ambos os sexos que precisam de afirmação e de se mostrarem mais fortes que os demais, pelo que só se sentem confortáveis quando ridicularizam os outros. Muitos pais também usam e abusam dos comentários negativos para mostrarem aos filhos que estão numa posição de superioridade e que fazem o que lhes apetece.
 
No seio de um casal, também é comum que um marido ou esposa que se sente inferiorizado de alguma forma, que grite com o parceiro/a, que lhe chame nomes ou que lhe diga algo do tipo: «nunca acertas no meu gosto, podias fazer melhor, mas não consegues, não sabes agradar-me, não és a pessoa ideal para mim, não gosto do teu estilo, da tua voz ou do teu corpo e daí por diante».
 
Na posição dos entendidos, quem tece comentários negativos aos outros não percebeu o princípio do respeito, muito menos sabe valorizar quem tem ao seu lado. São pessoas que não diferenciam o afeto, a compreensão e o prazer de viver o amor com alguém, de uma relação que se baseia na ofensa, na humilhação, no gozo e em algum outro tipo de agressão. São sujeitos que precisam de aprender a comunicar de uma forma diferente, mas que ainda não se afastaram do estilo violento com que foram habituados. Fazem parte de um grupo de indivíduos que precisa de evoluir, de aprender a aceitar a diferença e e o respeito por si mesmos e pelos demais. No entanto, ferem, deixam traumas naqueles com quem convivem mais de perto e tornam as relações inviáveis, sublinham os especialistas.
 
Para aprendermos a não tecer comentários negativos, é preciso responsabilizarmo-nos por aquilo que fazemos e dizemos, é também fundamental que registemos que, uma má palavra, um palavrão, uma expressão de gozo ou qualquer outra negativa, afeta profundamente a outra pessoa, condiciona-a, magoa-a e destrói-lhe a autoestima.
 
Muito mais do que uma dor física, muitas pessoas experimentam dores emocionais profundas que lhes retiram o prazer de viver e a qualidade de vida, já que não é fácil nem saudável conviver com alguém que nos coloca num plano muito negativo com aquilo que nos faz ou diz diariamente.
 
Para que se perceba a dimensão dos comentários negativos nos mais novos, o Dr. Martin Teicher, professor associado de psiquiatria do McLean Hospital, em Massachusetts, mostrou que, as crianças que são abusadas verbalmente pelos pais sofrem alterações no desenvolvimento cerebral, tornando-as mais vulneráveis à ansiedade e à depressão.
 
Avança o mesmo investigador que, o ser humano não está preparado para receber comentários negativos do seu ambiente mais próximo e significativo, pelo que, essas palavras afiadas prejudicam-nos, alteram-nos e deixam marcas profundas na arquitetura cerebral.
 
É um facto que, nas relações mais próximas e significativas, pode “sair-nos” uma palavra menos correta, uma expressão menos agradável, a qual deve ser reparada num curto espaço de tempo. Um pai, uma mãe, um parceiro/a que diz algo de menos positivo, deve ser capaz de pedir desculpa e de assumir esse erro, tentando naturalmente evitar ao máximo a sua repetição, sob pena de o mesmo permanecer.
 
Os especialistas alertam ainda para o facto de muitos sujeitos pedirem desculpa com sarcasmo e ironia, o que se traduz numa angústia disfarçada de afeto, já que é comum que se utilizem expressões como: «eu não fiz por mal, mas tu também levas tudo tão a sério», o que acaba por transferir a culpa para quem é a vítima.
 
Esta forma de atuação é muito comum entre parceiros e também entre pais e filhos quando acreditam que estão certos nas palavras que proferem, mas o outro lhes mostra que não gostou do comentário depreciativo.
 
Naturalmente que, este tipo de perdão ainda aumenta mais a dor de quem é ferido e não pode ser aceite de forma alguma. Quando estamos com alguém que ainda goza connosco depois de lhe dizermos que não gostamos do que disse, então estamos a perder o nosso tempo e autoestima, evidenciam os entendidos.
 
Por fim, é preciso registar que, ninguém consegue ser feliz num ambiente com um qualquer tipo de agressão, por isso, é urgente que se aprenda a comunicar, a respeitar, a aceitar e até a selecionar melhor as pessoas com quem convivemos. Uma criança habituada a ser desvalorizada com os comentários destrutivos dos pais, tenderá a reproduzir esse comportamento nos colegas, amigos e num futuro parceiro/a.
 
Alguém que foi habituado a comunicar de forma violenta, terá muitas dificuldades em alterar o tipo de discurso, por isso, é importante que, quem está ao seu lado, nunca se deixe enrolar e que diga frontalmente o que está a sentir e, ao perceber que não há uma mudança, deve assumir que a relação não faz sentido e que não deve continuar.
 
Depois de adultos, muitos filhos que sofreram este tipo de abuso verbal, acabam por não conseguir manter uma convivência próxima com os pais, à semelhança do que acontece noutros cenários de violência física.
 
Muitas pessoas optam por nada dizer, por tolerar tudo e vão acumulando dor e angústia, o que não é de todo uma solução. Quando um desconhecido nos fere, o grau de dor é sempre muito menor e sabemos que é fácil não o voltar a encontrar. Com um amigo, é doloroso, mas fazemos muitas amizades ao longo da vida, mas com a família tudo se torna mais complexo, pelo que temos de reagir, sob pena de passarmos um percurso em sofrimento e só a alimentar quem sente prazer em ferir.
 
Fátima Fernandes