Família

Está a preparar o seu filho para o mundo?

 
Esta é uma questão que vale a pena responder diariamente quando se é “tentado” a proteger as crianças das frustrações, quando se tenta reduzir o sofrimento e camuflar a realidade.

 
Todos os adultos sabem que a maior garantia que têm é a luta, o esforço, a falta de reconhecimento por parte da sociedade, a frustração e a tentativa diária de lidar com tudo isso e prosseguir a mesma tarefa árdua de conquistar objetivos de vida. Então por que razão se faz o inverso com os filhos?
 
Na posição de muitos especialistas, “esta é provavelmente a geração melhor preparada para educar, para compreender e mimar as crianças, o problema é que ‘pais mimados’, não conseguem criar filhos responsáveis e felizes.”
 
Os pais de hoje, na sua maioria, “são o produto de uma classe média zelosa e protetora que tende a reproduzir o mesmo comportamento aos seus descendentes.
 
Trata-se de um comportamento egoísta e mesquinho que passa a ser exacerbado e levado ao extremo “quando envolve crianças ditas inocentes, doces, meigas e suaves.”
 
No fundo, o principal objetivo destes pais é garantirem que nada acontece aos seus filhos e acabam por transformar tudo o que podem em seu redor para que nada os deixe frustrados, tristes, ansiosos e sem motivação, mas o problema é mesmo esse.
 
As novas gerações sofrem precisamente de falta de interesse.
 
Esta permanente necessidade de decorar a casa em função dos hipotéticos desejos dos filhos, de escolher os locais mais adequados para a sua felicidade e de não estabelecer limites no que toca a ofertas que “garantam” esse bem-estar está a tornar-se em algo perigoso e assustador, defendem os especialistas.
 
A criança nasce a controlar a casa sem qualquer tipo de preparação, sem saber aquilo de que gosta, muito menos o que fazer com tantos objetos.
 
Os brinquedos trabalham por si e fazem o que a imaginação deveria desenvolver. O mesmo se passa com uma televisão ligada desde que a criança acorda até que se deita.
 
As refeições são muitas vezes um curto espaço de tempo e industrializadas porque “eles não gostam da minha comida” e, do berço à idade adulta é um passo tão curto que, “quando nos apercebemos dos erros, muitas vezes já não temos condições para os corrigir”.
 
Os “pais mimados” preocupam-se tanto com o que possa vir a faltar aos seus pequenos cristais que se esquecem do que não lhes estão a dar diariamente”.
 
No carro, no restaurante, na casa dos amigos, tem de haver sempre uns phones para ouvir música, uma televisão ligada com o canal preferido e uma vasta gama de tecnologia para que a criança não entre em tédio por estar no meio dos adultos.
 
Esta é uma prática comum a muitas famílias que não percebem a importância de ensinar os mais novos a estar à mesa; a participar nas conversas e, sobretudo a prepará-los para que cresçam nesse modelo familiar e de convívio. É gritante a preocupação dos pais em se certificarem que no local existe tecnologia suficiente para que “estejam descansados” enquanto convivem com amigos, mas não se pensa que os mais pequenos deveriam estar entre si a conversar, a brincar e a aprender mais sobre o mundo.
 
As crianças de hoje são “intocáveis” e não podem passar pela espera que todos acabem a refeição porque “as conversas dos adultos não lhes dizem respeito”, mas que adultos vão ser sem essas bases? 
 
Na obra French Children Don’t Throw Food, Pamela Druckerman conta qual “é o segredo para que as crianças francesas sejam bem comportadas.”
 
Entre pesquisas, entrevistas e exemplos, a autora mostra que o fato dos pais franceses não tratarem as crianças como centro da casa é essencial para que elas entendam que vão ter de se adequar a um modelo já existente - e não o contrário!
 
“Tratar a criança como o centro da rotina de toda a casa é a base de uma educação de mimados para mimados.”
 
Calligaris reforça esta ideia: "Na geração dos meus pais e avós, a vida dos adultos não podia ser decidida em função do interesse das crianças, até porque o principal interesse das crianças era a sua transformação em adultos", neste sentido, todos os momentos são importantes para que ocorra a interação, sendo de incluir o tempo das refeições como uma base fundamental de convívio e de trocas.
 
Após o dia de trabalho, em que a criança também esteve nas suas atividades, faz todo o sentido que a família se reúna na elaboração da comida e no processo de arrumação da cozinha. O mesmo se passa com o tempo das refeições que deve ser partilhado e desfrutado em conjunto.
 
Com esta regra diária, não tem razão de existir uma comida diferente para a tal geração “do bife e batata frita”. A criança ajudou no processo e prepara-se para receber a mesma refeição dos pais.
 
Os filhos aprendem a comer de forma saudável e equilibrada e a aceitar naturalmente todos os alimentos. Recorde-se que era assim no passado e, era essa a base para que as crianças comessem de tudo.
 
O mesmo se passa no restaurante ou em qualquer outro local. Os menus de criança são “um atentado” à alimentação saudável e só alimentam a ideia de que os produtos industrializados e carregados de açúcar são uma boa opção.
 
Não se esqueça de que, “a criança come o que os pais a ensinam a comer” - Pat Feldman
 
Tal como o gosto pela comida é construído, também o momento de convívio à mesa tem de ser ensinado desde cedo.
 
A televisão não faz falta alguma no espaço de refeições, pelo que se deve aproveitar para conversar, para estar em família e para compensar o tempo de separação do dia.
 
A ideia de que as crianças se aborrecem não surge dos mais novos, mas sim dos adultos e, naturalmente a criança está triste, vazia de tudo porque as alternativas tecnológicas que lhe são dadas assim a transformam.
 
É uma ilusão acreditar que os filhos são mais felizes e alegres ligados ao mundo através dos equipamentos que existem ao nosso dispor neste tempo.
 
É precisamente essa falta de relação com pessoas que torna os mais novos desmotivados e sem qualquer preparação para o mundo; apesar de terem acesso ilimitado à Internet e à maioria dos canais de televisão e de poderem ligar para quem quiserem…
 
A criança, o jovem, o adulto tem o direito de estar aborrecido num qualquer momento. Faz parte do mundo emocional, faz parte das relações com o mundo, consigo mesmo e com os outros.
 
É através dessas frustrações e alegrias que se constrói a personalidade, as preferências, que se definem prioridades e objetivos, pelo que, não tem qualquer problema viver emoções de toda a espécie.
 
O importante é que o indivíduo conheça diferentes formas de diversão, que saiba o que é interessante a partir da diversidade e não esteja ligado somente a um equipamento sem possibilidade de escolha e de aprendizagem.
 
Não nos podemos esquecer que se aprende o mundo vivendo, sentindo, rindo, chorando, brincando com os outros, apanhando um tabefe numa vez e dando outro. A vida faz-se de experiências e os pais não as podem negar aos filhos.
 
“Proteger um filho é uma missão dada ao fracasso.” - Eliane Brum.
 
Depois, os problemas continuam na escola. Nesta era atual, os pais mimados não confiam nas instituições de ensino. “As más notas são culpa do professor, o mau comportamento é da responsabilidade da escola e a falta de relações humanas entre as pessoas é um problema da sociedade.”
 
Julio Groppa Aquino diz que, “os educadores destes tempos modernos, nada mais são do que super ama, isto porque os pais não querem saber das relações, das aprendizagens, do ensino e da evolução da criança.”
 
Os pais exigem que os filhos sejam mimados pela escola, aplaudidos constantemente e que nunca sejam confrontados.
 
Aquino reforça: “não confiar em quem se confiou a educação dos filhos é uma grande insegurança, certamente um sinal de pais mimados.”
 
Estes pais zelosos tendem a elogiar excessivamente as crianças acreditando estar a contribuir para a sua autoestima, bem-estar e sucesso, mas o livro Filhos: novas ideias sobre educação, Po Bronson e Ashley Merryman mostra o inverso.
 
“Dizer a todo o momento que o seu filho é inteligente faz com que a criança se torne insegura e com medo de errar. O medo de perder o ‘estatuto de inteligente’ faz com que a criança não arrisque, se iniba e se esconda por detrás de uma máscara.
 
Ao mesmo tempo, a criança desenvolve a ideia de que será elogiada mesmo sem esforço, pois não são as suas qualidades que se valorizam, mas sim a necessidade dos pais a elogiarem.
 
Faz sentido incentivar, elogiar e mostrar satisfação face a uma conquista, a algo que a criança ou jovem realizam e que, de facto, merece esse reforço.
 
Fátima Fernandes