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Experiências adversas na infância são fatores de risco para doenças mentais

 
Tendo por base os dados de um recente estudo levado a cabo nos Estados Unidos da América, as condições adversas vividas na infância são fatores de risco para o desenvolvimento de doenças mentais.

Para os autores do trabalho de investigação, essas experiências apresentam consequências profundas, tanto para a saúde física como mental.
 
O estudo reconhece o longo caminho que ainda é preciso percorrer para poder aferir todas as circunstâncias que levam à doença mental, ainda assim este trabalho permite compreender que muitas causas dessas condições têm sido investigadas em muitos campos, do genético ao social.
 
Quando falam em adversidades na infância, os investigadores fazem referência a situações de maus-tratos, abusos físicos, psicológicos ou sexuais, assim como experiências traumáticas (grandes perdas ou deficiências significativas). É também de realçar a convergência entre a ciência formal e a psicanálise neste trabalho.
 
A afirmação de que as adversidades na infância são o principal fator de risco para doenças surge do estudo da Dell Medical School, nos Estados Unidos, liderado por Charles Nemeroff, M.D., Ph.D., professor e chefe do departamento de psiquiatria da Dell’s Mulva Clinic for the Neurosciences e diretor do Institute for Early Life Adversity Research.
 
Os cientistas não apenas apontaram que as adversidades na infância são o principal fator de risco para doenças mentais, como também afirmaram que, essas experiências têm outras consequências graves.
 
Em primeiro lugar, uma criança que passou por experiências difíceis ou traumáticas tem uma expectativa de vida menor do que aquela que cresceu num ambiente estável. O estudo associa o abuso infantil ao desenvolvimento subsequente de patologias como obesidade, derrame, diabetes, algumas formas de cancro e problemas cardiovasculares.
 
Do ponto de vista psiquiátrico, o mesmo trabalho aponta que, as crianças abusadas têm um maior risco de desenvolver vícios, especialmente o alcoolismo, assim como depressão e todos os tipos de transtornos. O estudo também indica que quem tem esse tipo de histórico traumático é o paciente mais difícil de tratar em consulta.
 
Os autores também evidenciam que, de acordo com estimativas feitas até ao momento, uma em cada quatro crianças é vítima de alguma forma de abuso ou de falta de afeto. Os casos mais frequentes são aqueles em que ocorre abuso emocional e negligência ou abandono, sublinham.
 
Segundo os dados conhecidos, pelo menos 46% dos pacientes com depressão e 57% de quem sofre de transtorno bipolar apresentam esse tipo de histórico. Além disso, quanto mais cedo ocorre o abuso, mais graves são as sequelas e mais difícil é ajudar esses pacientes, completam os mesmos autores.
 
Da mesma forma, a gravidade do abuso sofrido e a duração do mesmo também são fatores de influência. Em todo o caso, os investigadores destacam que todas as formas de abuso na infância deixam sequelas ao longo da vida.
 
O estudo destaca ainda que, embora o abuso emocional e a negligência sejam as duas formas mais comuns, também são as menos atendidas a tempo, isto porque são formas de violência que não deixam sequelas percetíveis à primeira vista. Os cientistas adiantam ainda que, muitas crianças que estiveram expostas a essas situações nunca consultam um profissional de saúde mental quando são adultas, porque não acreditam que tenham sido vítimas de abusos reais, frisam os mesmos especialistas acrescentando que, estas pessoas acabam por se dececionar com a vida e com o seu próprio desempenho, mas não vão às causas; à origem dos abusos infantis que viveram.
 
Um dos dados mais surpreendentes deste estudo tem a ver com o trauma genético intergeracional, um fenómeno que foi extensivamente estudado nas vítimas do holocausto e que tem a ver com uma alteração detetada nos óvulos e espermatozoides de pessoas que sofreram traumas psicológicos graves.
 
Os especialistas destacam que, nesses casos, e através de mecanismos epigenéticos, o efeito do trauma é transmitido geneticamente à geração seguinte, o que predisporia muitas pessoas a desenvolver um tipo especial de stress que coincide com o pós-traumático.
 
Finalmente, os cientistas destacam que foram encontradas mudanças nos cérebros de crianças abusadas e que, estas tendem a ter um volume menor de massa cinzenta, assim como uma espessura menor no córtex pré-frontal ventral e dorsal. O estudo aponta que ainda são necessárias mais pesquisas sobre o assunto para aprofundar todas as descobertas realizadas.
 
Fátima Fernandes