Família

Filhos de pais separados: como salvaguardar o interesse dos mais novos

 
Os divórcios são cada vez mais recorrentes na nossa sociedade, sobretudo porque já se percebeu que, mesmo os casais com filhos têm o direito de seguir a sua vida em frente, de construir um novo projeto e de enfrentar novos desafios, quando uma relação de casal não corre bem, no entanto, é preciso assumir que, em cada idade as crianças apresentam necessidades distintas e que os pais se têm de munir do máximo de conhecimento e de maturidade para poderem dar uma vida nova aos seus filho sem que isso acarrete sofrimentos e angústias desnecessárias.

 
Para tal, é fundamental que os adultos se assumem e definam a sua posição, que percebam que a relação chegou ao fim com aquela pessoa, mas que a vida dos filhos tem de prosseguir com um pai e com uma mãe mesmo depois da separação.
 
Por se tratar de uma situação de profundas mudanças, é essencial definir muito bem as responsabilidades e os novos papéis que os pais precisam de assumir durante todo esse processo e, tal deve acontecer ainda dentro de casa, mas prolongar-se depois da separação. É fundamental que, ambos os adultos coloquem os interesses dos filhos acima dos seus pessoais, especialmente nas fases mais delicadas para todos. Os mais novos precisam de continuar a poder contar com o pai e com a mãe, mesmo em casas separadas, pelo que as rotinas no que se refere à criança, devem ser respeitadas e mantidas, bem como a regularidade das visitas e momentos em que estão com cada um dos seus progenitores.
 
As crianças aceitam e rapidamente se adaptam à nova realidade desde que os pais façam essas mudanças com o máximo de tranquilidade, respeito e responsabilidade. Os filhos são de ambos e têm de ser colocados em primeiro lugar, o que não quer dizer que os pais não possam ter os seus planos com outra pessoa, mas devem saber posicionar muito bem os mais novos na sua vida, no cenário da separação e depois apresentar-lhes um novo rumo. As alterações têm de ser progressivas e esclarecidas com o cuidado de não falar mal nem do pai, nem da mãe, já que, mesmo após o período mais turbulento, os pais serão sempre a sua maior referência de vida mesmo que estejam separados, que vivam com outras pessoas e noutra casa.
 
Para nos ajudar a compreender melhor alguns pontos desta fase delicada e que requer muita inteligência emocional, recorremos à Revista Crescer, onde o psicólogo Ricardo Muratori sublinha que “Acompanhadas de demonstrações de afeto, de amor, cuidado, carinho e respeito, essas atitudes fazem toda a diferença para as crianças”, assegurando que, “a separação do casal não precisa de ser motivo para mais culpa em relação aos filhos. Mas deve ser encarada com responsabilidade e como uma nova oportunidade de vida para todos”.
 
Para os bebés, uma vez que se trata de uma fase de adaptação, tudo o que se passa em seu redor é absorvido como uma esponja. Especialmente nos primeiros meses de vida, a mãe é o seu universo e o que ela sente reflete-se diretamente na saúde e no estado emocional do filho. Quando a separação acontece neste período, há uma maior fragilidade, já que, a mãe perde  o acolhimento e a proteção que costuma receber do marido.
 
Como consequência disso, o bebé apresenta noites mal dormidas, comportamento irritadiço, mudanças no apetite e sintomas como dor de barriga, mal-estar e febre sem um motivo aparente.
 
É importante evitar conversas tensas ou mesmo agressivas diante do bebé (pois mesmo que ainda não tenha um bom entendimento das palavras,  pode notar o tom). Se a mãe ainda estiver a amamentar, as visitas do pai não devem atrapalhar esse momento. Manter o ambiente de casa tranquilo e respeitar a rotina da criança é essencial.
 
Com os mais crescidos, a separação pode desencadear desânimo, redução do interesse por brincadeiras e atividades rotineiras. É nesta fase também que o universo do bebé passa a não se restringir à mãe e o pai começa a desempenhar um papel diferente para ele. Por isso é importante que a distância não destrua o vínculo entre pai e filho. Aproveitando que as mamadas são menos frequentes, as visitas podem ser um pouco mais prolongadas. Mas o ideal é que não passe, por exemplo, um fim de semana inteiro longe da mãe.  Os encontros durante a semana e mais breves, são uma opção apresentada pelos especialistas. Nesses momentos, o pai pode inclusive, ter a ajuda da mãe, da irmã ou de alguém com experiência para lhe facilitar a tarefa. Porém, é fundamental que ele converse com a mãe da criança para melhor conhecer os detalhes da rotina.
 
Os pais devem ter consciência de que, perante a separação, a criança vai ter dúvidas e fazer muitas perguntas, pelo que devem estar preparados para lhe dar confiança e para a esclarecer o melhor possível e de forma adequada à sua idade para evitar que sinta a sensação de abandono de um dos seus progenitores.
 
O psicólogo Ricardo Muratori explica que nesta fase predomina a fantasia: a criança acredita que o que pensa acontece. Entre os meninos, por exemplo, é comum desejarem a mãe só para si  num momento e, em seguida, identificarem-se mais com o pai. “Quando a separação acontece diante desse conflito afetivo, vem a culpa, a ideia de que foram os seus desejos que desencadearam todo o processo”, afirma. As crianças também podem regredir em relação a aquisições já feitas (voltam a fazer xixi na roupa, não articulam as palavras tão bem quanto faziam, por exemplo). Podem demonstrar raiva, angústia, agressividade, ter choros frequentes e birras mais acentuadas, alterações de sono e de apetite, dores de cabeça, vómitos e febres.
 
A escola também pode representar alguns problemas relativos à sua própria segurança. A criança pode temer que um dos pais não a vá buscar no final do dia, pelo que é fundamental tranquiliza-la o mais possível e tomar essas decisões entre adultos para que a criança não se sinta tão instável.
 
É fundamental que os pais conversem muito com ela, que lhe permitam apresentar as suas dúvidas e medos para que a possam esclarecer. A convergência entre pai e mãe assume aqui um papel ainda mais relevante neste processo.
 
Os especialistas na matéria evidenciam ainda que, nesta fase é muito importante que a criança tenha um canal pelo qual expresse, ainda que inconscientemente, os seus sentimentos. Podem ser desenhos, jogos, brincadeiras, livros, simulações feitas com os seus brinquedos e bonecos. É essencial que exista um espaço em que expresse simbolicamente a raiva que sente dos pais, a sensação de abandono ou o que estiver no seu inconsciente. A criança provavelmente não entende tudo o que está a acontecer mas, enquanto brinca acaba por projetar os seus sentimentos e elabora os conflitos que está a viver, evidenciam os especialistas.
 
Segundo a revista Crescer, nesta idade há uma série de novidades que envolvem outras decisões importantes quanto à educação que devem ser cuidadosamente estudadas e em pleno acordo entre os pais. A escolha da escola, por exemplo, deve reunir consensos, tal como a participação de ambos os adultos em todo o processo de adaptação do filho à nova rotina. Os pais devem responder às suas dúvidas de forma clara e segura, mostrando-lhe que estão ali para a ajudar a superar os seus medos e os seus problemas.
 
A partir dos 7 anos, as crianças começam a formar conceitos, percebem o que se está a passar, têm um julgamento mais apropriado da situação. Tendem a fazer muitas perguntas e a manifestar tristeza e descontentamento de maneira clara e direta, pelo que precisam de muito mais apoio, compreensão e colo.
 
Citada pela mesma revista, a psicanalista Miriam Chicarelli Furini afirma que, quanto maior é a criança, maiores são as suas condições psíquicas para lidar com a separação dos pais. Mesmo assim, há o sofrimento que se manifesta em sintomas como distúrbios de sono, alterações no comportamento, irritabilidade, desejo de se isolar, mudanças no apetite. Uma boa parte desses comportamentos é representado na escola com atitudes mais agressivas entre colegas e para com os professores. Neste sentido,  é fundamental que a escola seja informada da realidade do aluno para que também possa intervir. As rotinas devem ser mantidas o melhor e o mais estável possível para que a criança mantenha o seu círculo social.
 
A criança deve manter ou inscrever-se numa atividade que lhe proporcione prazer, que lhe permita estar fora da esfera familiar e de uma forma sadia e que lhe seja agradável, já que é uma maneira de contactar com outras realidades, construir a sua própria rotina e posicionar-se no mundo; no seu mundo. Os pais devem promover a boa comunicação com os filhos e estar atentos às suas alterações, já que esta será sempre a melhor forma de a compreenderem e de a poderem ajudar. Quando não são capazes de resolver um problema, devem pedir ajuda, seja do professor, seja de um psicólogo que os possa orientar.
 
Não tenhamos a menor dúvida de que se trata de um processo difícil e exigente para todos, mas que causa muito mais sofrimento á criança conviver diariamente com pais que não se separam e que não se entendem. Desde que os adultos consigam colocar o filho acima dos seus interesses e amor ferido, tudo se torna mais fácil para todos, recordam os especialistas na área infantil.
 
Fátima Fernandes