Família

Hiperpaternidade: um sufoco para pais e filhos

 
Nos tempos atuais, assistimos a uma enorme diversidade de modelos de educação que, segundo os especialistas, geram muita confusão tanto nos mais novos como nos próprios pais.

 
Longe vão os tempos em que se dizia que “tudo se cria” e como consequência, os pais não davam muita importância ao desenvolvimento dos filhos. A mãe estava em casa porque, na maioria dos casos não trabalhava e, os filhos brincavam entre si e com amigos na rua sem grandes preocupações com o futuro. As etapas iam passando e, quando se chegasse à idade adulta, estava terminado o processo de paternidade.
 
Nos nossos dias, temos de tudo um pouco. Temos os pais que se dedicam quase que exclusivamente aos filhos, temos aqueles que conciliam a vida profissional com uma agenda repleta de atividades para os filhos, temos quem aposte numa babá para cuidar melhor das crianças e ainda conhecemos pais que entregam os filhos aos videojogos e aos canais de televisão para que recebam estímulos atrás de estímulos e, dessa forma aprendam a viver. Continuam as famílias que entregam os filhos a uma “roda viva” de trocas de pessoas porque não querem abdicar dos seus compromissos e interesses e, no final das contas, não se sabe quem é que está certo.
 
Muitos pais investem na leitura para saberem mais e mais julgando conseguir ser os melhores, enquanto que outros passam completamente ao lado do conhecimento e baseiam-se nos métodos tradicionais. Mas afinal como é que se pode organizar a educação nos dias de hoje?
 
Na posição dos especialistas nesta matéria, o segredo reside no bom senso e no equilíbrio. É importante ler e saber mais, tal como é fundamental que os mais novos recebam estímulos para conhecerem a diversidade, no entanto, tem de haver um equilíbrio nas atividades, uma vez que, muitas crianças têm uma agenda tão ou mais preenchida que a dos adultos, tal é a preocupação dos pais para que os mais novos agarrem o futuro com o máximo de conhecimento e preparação.
 
Os métodos tradicionais já estão um pouco fora de moda, na medida em que, grande parte das mães trabalham e não podem dedicar esse tempo quase que em exclusivo aos filhos. Também não se pode considerar importante que os pais deixem de trabalhar para vigiarem os mais novos todo o dia e para se certificarem se estão a aprender convenientemente, pelo que, o ideal é o razoável: é dar tempo de qualidade às crianças, é ter tempo para os ouvir, para dialogar, para brincar e deixá-los também alguns momentos sem fazerem nada. Faz bem às crianças pensar sem estar exposto a estímulos, pois afinal elas também precisam de descansar. O mesmo se passa com o tempo de estudo, os mais novos não podem estar sempre focados na escola e em terem de ser os melhores. Devemos exigir-lhes trabalho, empenho e dedicação, mas também aliviar essa carga para que brinquem e se distraiam com outras coisas.
 
A exposição aos jogos, não deve ultrapassar os 30 a 60 minutos por dia, pois segundo os entendidos nesta matéria, prejudica o desenvolvimento o excesso de exposição a esses estímulos para além de ser muito viciante esse contacto.
 
Relativamente à tal “roda viva” de familiares para ficarem com as crianças, também se deve apostar no bom senso, pois é bom que eles fiquem na casa de um familiar ou amigo pontualmente, não por sistema. Os pais não se podem demitir dessa responsabilidade, muito menos “sobrecarregar” outras pessoas para que tenham mais tempo livre para as suas atividades de lazer. Os mais novos também precisam de estar com os pais, sobretudo quando passam toda a semana em atividades. Faz-lhes bem estar em casa, fazer programas em família, relaxarem e divertirem-se com aquelas que são as pessoas mais importantes do mundo para si.
 
No que diz respeito à hiperpaternidade propriamente dita, é importante realçar que, esta nasce como a perversão de um modelo educativo no qual se defende que é necessário aumentar a atenção e o cuidado que os pais dedicam aos seus filhos. Inclui os pais que protegem excessivamente os filhos, que lhes dão muita atenção e mimam acima do necessário, sem saber que lhes estão a limitar a independência, a liberdade e o desenvolvimento da autonomia.
 
Os hiperpais zelam pelo êxito académico dos filhos e sofrem por cada possível frustração que lhes possa acontecer. Assim, longe de lhes fazer bem, criam filhos super estimulados, superprotegidos e inseguros.
 
Segundo Eva Millet, a hiperpaternidade é a consequência de um modelo educativo habitual nas sociedades mais acomodadas. Surgiu nos Estados Unidos, onde a ânsia competitiva impera, transportada para a esfera da paternidade. Os pais norte-americanos vêem-se imersos de cabeça numa carreira cuja meta é fazer com que o filho triunfe na vida. Estes pais, reservam uma vaga na melhor escola infantil (antes que a criança nasça), o melhor colégio, universidade de elite, etc.
 
Isso inclui uma estimulação precoce, com um excesso de atividades extracurriculares e uma agenda sem espaços em branco. Além disso, contém uma baixa ou nula tolerância à frustração e enfrentamentos com os professores que ousem questionar as maravilhas dos seus filhos. Também é comum a atitude de mimá-los com objetos de todo o tipo, como livros, dispositivos eletrónicos, jogos, etc.
 
A perversão deste modelo de criação, no qual se reclama mais atenção para as crianças, está baseada numa constante atenção e em expectativas desmedidas para que os filhos façam, estudem, tenham ou alcancem. Definitivamente, não é o melhor para um saudável desenvolvimento psicoemocional para as crianças, defende a mesma especialista no seu mais recente livro.
 
Segundo Eva Millet, dentro da hiperpaternidade, podemos identificar diferentes comportamentos dos pais:
 
Alguns vigiam e “sobrevoam” sem descanso a vida dos filhos. São os pais helicópteros.
 
Outros pais pavimentam o caminho dos filhos, afastando deles todas as pedras, para que não tropecem. São os pais compactadores.
 
Existem pais que passam a vida a levar os filhos de uma aula extracurricular à outra, com pressa e uma agenda cheia. São os pais chofer.
 
Alguns pais não permitem que os filhos entrem em tédio ou brinquem.
 
Alguns pais marcam o caminho perfeito para os filhos, para que eles nunca sofram deslizes. São os pais limpa-neve.
 
Existem pais que perseguem os filhos no parque infantil, com o lanche na mão, para que eles acabem de comer. São os pais lanche.
 
Aqueles que vivem a constante preocupação para que os filhos estejam protegidos, para que nunca sofram um arranhão, se sujem ouse constipem, são os pais hiperprotetores.
 
A mesma especialista lembra que, a hiperpaternidade é exaustiva para os filhos porque implica agendas frenéticas e, para os pais porque são eles quem os levam de uma atividade para outra. Estes progenitores falam regularmente com os professores, supervisionam os trabalhos de casa planeiam as agendas e orientam as amizades dos filhos para que tudo seja perfeito. Estamos a falar de pais com um nível de stress muito elevado e de filhos que padecem do mesmo problema.
 
Como consequência de tudo isto, os filhos desenvolvem um alto nível de autoexigência e uma baixa tolerância à  frustração. Não é permitido que falhem e é exigida deles uma necessidade de superação constante.
Por outro lado, alguns pais mostram a sua insegurança.
 
É de anotar que, no âmbito da hiperpaternidade, há uma super-oferta de métodos e experiências que a criança precisa de viver e isso supõe um stress do qual não é possível fugir. Por seu turno, os pais têm dúvidas sobre o que é melhor para os filhos e passam a vida a mimá-los com experiências, oportunidades e metodologias, assim como com outras coisas materiais e novas tecnologias.
 
Segundo a mesma especialista norte-americana, enquanto alternativas a este modelo tão prejudicial para o desenvolvimento, a primeira coisa a fazer é relaxar e sair da espiral. Como pais, podemos respirar e relaxar. As crianças não precisam de pais perfeitos, precisam de pais tranquilos e felizes. Reduzir a agenda dos filhos supõe reduzir a dos pais.
 
Os pais precisam de deixar que as crianças brinquem, para que aprendam a se entreter e a lidar com o seu tempo. A brincadeira é vital no desenvolvimento e, com tanta atividade e stress, a criança não tem tempo para brincar, entediar-se e aprender.
 
Estes pais precisam de aprender a confiar em si mesmos e nos filhos, soltar-lhes um pouco as mãos, exigir menos, deixarem-se levar pela intuição e acompanharem o desenvolvimento dos mais novos também com entusiasmo e alegria.
 
Estes progenitores precisam de aprender a reforçar positivamente, a parabenizar os filhos pelas suas conquistas e a emocionarem-se, para que as crianças se apaixonem pela vida e aprendam a viver diariamente, a relacionar-se com os outros e a lidar com suas emoções, concluiu a mesma especialista.
 
Fátima Fernandes