Família

Não há problema em preferir um filho ao outro, temos é de assumir a situação

 
O tema é sempre atual e suscita muitas dúvidas, sobretudo porque é difícil admitir a preferência de um filho em detrimento de outro.

Seja por vergonha, pela crítica familiar ou social, a maior parte dos pais não admite uma situação que é muito mais frequente do que aquilo que possa parecer.
 
Para aprofundar este assunto recorremos a uma publicação da revista Máxima que, citando alguns especialistas, nos ajuda a compreender melhor a dimensão do problema e nos apresenta inclusive algumas pistas essenciais para melhor lidar com a situação.
 
Assim, de acordo com a mesma revista, «é inegável: os favoritismos rodeiam-nos constantemente, em inúmeros contextos da nossa vida».
 
Citada pela Máxima, a psicóloga americana Ellen Libby defende que este complexo surge como um padrão transmitido de geração em geração, resultado de "comportamentos conscientes e inconscientes estabelecidos pelos membros de uma família em reação a uma relação privilegiada entre um pai e um filho".
 
Já para as autoras do livro: O filho Preferido, as psicólogas Fátima Almeida e Laura Alho, a questão continua a ser simultaneamente uma realidade e um mito. "Ainda que os pais possam dizer que não têm um filho preferido, a verdade é que, muitas vezes, os filhos, outros familiares, ou até pessoas que não pertencem à família nuclear conseguem perceber essa preferência, que pode ser inconsciente." Contudo, uma conclusão é certa: "A preferência é apenas a identificação e empatia por determinadas características de um dos filhos (ou de mais do que um)."
 
Entre as variáveis que podem explicar essa predileção estão as qualidades ou características de personalidade partilhadas entre pais e filhos, "os sistemas de educação a que os pais foram sujeitos, o facto de terem irmãos ou de serem filhos únicos, as expetativas em relação à parentalidade". A idade e o sexo das crianças também podem ter influência. Por um lado, as mães normalmente preferem as filhas e os pais os filhos (porque é com eles que podem praticar atividades e basear-se nos modelos feminino e masculino), por outro, os complexos de Édipo e de Electra não podem ser ignorados. Existe ainda uma maior ideia de favoritismo em relação ao filho primogénito (o mais velho), pois foi o primeiro e talvez o mais desejado, ou então, em relação ao mais novo, pois é o "bebé" da família.
 
Ellen Libby reforça que «nada disto tem de ser necessariamente mau», considerando aliás, que «o problema não é os pais terem um filho preferido, mas sim não o admitirem, quando este é, na maior parte das vezes, um fenómeno natural».
 
De acordo com Fátima Almeida e Laura Alho, os pais têm medo de admitir a preferência porque confundem favoritismo com amor: "Associam a preferência ao facto de isso poder significar não amarem os filhos por igual – e não é isso que está em causa." Só quando essa preferência for vincada e assumida e o tratamento perante os filhos for desigual é que a perceção de amor e proteção podem ser enviesadas. Aqui, as crianças poderão sentir que não são tão importantes como o(s) irmão(s) através de certos gestos (inconscientes ou não) por parte dos pais, tais como pedir a opinião de um filho e ignorar a de outro, elogiar mais um que outro, a comparação constante entre irmãos, proporcionar oportunidades ou bens materiais diferentes, a manifestação desigual de carinho ou o tempo dedicado a cada um dos filhos.
 
O fenómeno pode, no entanto, ter consequências no funcionamento da família e no desenvolvimento das crianças. O filho favorito irá crescer sentindo-se mais confiante e poderoso, mas também pode fazê-lo sentir-se sempre acima das regras, suscitando frustração e raiva quando percebe que não pode fazer tudo o que quer. Poderá ainda ter maior dificuldade em separar-se dos pais e desenvolver a sua própria personalidade, bem como em construir relações amorosas futuras pois sentirá que ninguém conseguirá amá-lo tanto quanto o pai que o preferia. Já o filho preterido poderá vir a sofrer de problemas de autoestima e, se perceber que os pais estão constantemente a desvalorizá-lo, "pode adotar comportamentos desajustados (regressão, infantilização, dificuldades na aprendizagem, apatia, desinteresse, revolta, entre outros)".
 
Segundo a Máxima, as autoras de O Filho Preferido sugerem aos pais que expliquem "esta dedicação desigual (ou porque um é mais novo e requer mais atenção, ou porque um tem mais dificuldades do que outros, etc.). Habitualmente, eles percebem e desvalorizam. O sentirem-se amados é o mais importante". As mesmas autoras aconselham ainda a evitar as tais comparações, elogiar cada filho pelas suas qualidades e por algo que eles realizaram sozinhos e assegurar que há tempo para atividades em família mas também individuais.
 
Perante estas constatações importa reter que, é no ato de admitir essa preferência que está a melhor capacidade de lidar com a situação e de mostrar ao filho preterido que, apesar de se sentir mais empatia pelo irmão, os pais gostam de ambos e respeitam-nos nas suas diferenças. Dessa forma, será muito mais fácil que a harmonia ocorra no seio familiar e que ambos os filhos se desenvolvam num ambiente sadio e com capacidade de também se entenderem e respeitarem. É verdade que, esta posição exige “muito jogo de cintura”, mas a partir do momento em que se toma consciência de que nos aproximamos mais de um filho do que do outro pela facilidade de contacto e empatia, teremos uma maior habilidade e disponibilidade para conseguirmos aceitar e compreender o outro filho também.
 
Fátima Fernandes