Um trabalho multidisciplinar realizado na Universidade do Algarve, que já foi publicado na revista Science Advances, desenvolveu novos componentes eletrónicos que permitem medir a atividade elétrica de células do sistema nervoso que até agora tinha passado despercebida.
A nova tecnologia de medida foi testada em laboratório, com células derivadas de tumores cerebrais, e levanta novas questões sobre a possível sinalização elétrica produzida por estes tumores e o seu impacto na fisiologia cerebral.
Para este estudo foram utilizadas células derivadas de tumores cerebrais de rato, do tipo astroglioma.
Conforme explica a Ualg em comunicado, estas células têm origem nos astrócitos, que existem no sistema nervoso e cuja função normal é dar suporte funcional, metabólico e estrutural aos neurónios. Ao contrário dos neurónios, os astrócitos são tidos como eletricamente silenciosos.
Os novos componentes eletrónicos permitiram medir sinais elétricos discretos (menores do que um micro-volt) produzidos por culturas de células derivadas de tumores cerebrais. Até ao momento, a tecnologia disponível só permitia medir sinais maiores do que 10 micro-volts em culturas de células.
Este novo sistema é também vantajoso pelo facto de permitir que as células sejam examinadas durante todo o processo de cultura diretamente sobre os chips eletrónicos que fazem a deteção dos sinais elétricos.
As células cancerosas têm uma atividade metabólica muito intensa e como resultado deste metabolismo acidificam o meio na sua vizinhança (efeito de Warburg). A equipa da Universidade do Algarve observou que quando as células ficam em meio ácido geram padrões de sinais elétricos de forma cooperativa. Quando os sensores celulares desta acidificação são bloqueados, a atividade elétrica das células tumorais é eliminada. Estas observações apenas foram possíveis devido à inovação na sensibilidade dos sistemas eletrónicos que avaliam a atividade elétrica das células.
Assim, se as células de um tumor cerebral podem também gerar atividade elétrica, estes sinais podem interferir com o normal funcionamento do cérebro e poderão, eventualmente, contribuir para crises epiléticas, que muitas vezes surgem associadas aos tumores cerebrais.
A ser possível, o desenvolvimento de terapias direcionadas para estas alterações de atividade elétrica poderá ser muito útil para minorar o impacto das crises epiléticas em pacientes oncológicos, com melhoria considerável da sua qualidade de vida.
Esta investigação envolveu colaboradores da Universidade de Coimbra, a professora Carmo Medeiros do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e Computadores, bem como investigadores do Max-Planck Institute em Mainz, na Alemanha. A equipa na Universidade do Algarve foi liderada por Inês Araújo, investigadora do Centro de Investigação em Biomedicina (CBMR) e do Algarve Biomedical Center (ABC), e docente do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina, e por Henrique Gomes, investigador do Instituto de Telecomunicações e docente no Departamento de Engenharia Eletrónica e Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia.
O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do projeto: Implantable Organic Devices for Advanced Therapies.
Algarve Primeiro