Curiosidades

O que muda numa pessoa após uma depressão

 
Muitos têm sido os estudos levados a cabo e muitos faltam fazer para que, efetivamente se perceba o que muda numa pessoa após um cenário de depressão. Na posição dos especialistas, cada pessoa é única e especial, razão pela qual é difícil afirmar com rigor o que muda numa pessoa que já passou por um quadro depressivo.

Depois, é preciso ter em conta que há vários tipos de depressão que vão da mais leve e que passam pelas mais severas, sem esquecer que há quadros crónicos. No entanto, os relatos dos pacientes mostram que realmente há mudanças quando se passa por uma das maiores causas de sofrimento humano e que também é muito expressiva no nosso país.
 
Sendo mais fácil descrever como a pessoa se sentia quando estava mergulhada numa tristeza imensa, numa apatia enorme e numa profunda vontade de dormir e de estar sem fazer nada, a realidade mostra-nos que, após a depressão, as pessoas encontram um sentido para as suas vidas, reúnem mais energia e compromissos para que se mantenham ocupadas, sem no entanto, perderem de vista a importância de aprenderem a lidar com as situações negativas para que as possam evitar e prevenir recaídas.
 
No fundo, a medicação aliada à psicoterapia surte os seus efeitos positivos, pois enquanto que a medicação atua nas causas fisiológicas, a psicoterapia ensina o paciente a viver de outra forma, a ganhar mais segurança em si mesmo e a encontrar um sentido para a sua vida que lhe permita perceber que todos temos momentos de tristeza, que a vida tem altos e baixos, mas que temos de saber reagir no momento certo.
 
Respeitar o tempo do nosso organismo é outra condição que se adquire após um quadro depressivo, já que é fundamental aceitar que se está aborrecido com mais ou menos motivos. Todos temos memórias negativas, todos nos recordamos de episódios tristes que guardamos da infância, adolescência ou mesmo da idade adulta e temos sim  de aprender a reinventar esses registos e dar-lhes outro significado. Temos também de ir ao fundo dos nossos medos e assumir que a nossa memória não apaga nada do que registou, mas que podemos sempre reeditar esses conteúdos indo ao fundo e compreendendo o que se passou.
 
Só por aqui já se percebe que, uma pessoa que passa por uma depressão aprende a viver de outra forma, aprende a compreender-se e a aceitar-se melhor. Igualmente aceita melhor as suas memórias e consegue assumir o seu passado e perceber que ele ficou lá para trás, pelo que terá de tirar mais partido do presente.
 
Na posição dos especialistas, temos de ter em conta que existe a depressão reativa versus depressão biológica e que, segundo os estudos mais recentes, 24% dos portugueses admite já ter sofrido uma depressão. Em grande parte, tratam-se de depressões reativas. Isto é, «quadros depressivos desencadeados por determinadas circunstâncias de vida adversas, como uma separação ou divórcio, a perda de um ente querido ou uma situação de desemprego, que são perfeitamente superáveis», explica Vítor Cotovio, psiquiatra e psicoterapeuta.
 
«Mais difíceis de ultrapassar são as depressões que advêm de uma vulnerabilidade genética, muitas vezes, hereditária, que têm uma probabilidade de recaída mais elevada», refere o  mesmo especialista. Não obstante, em ambos os casos, «é possível reconquistar a confiança e a resiliência necessárias, sem sequelas», sustentou.
 
No que se refere ao  plano de recuperação de uma depressão, o mesmo varia de acordo com os fatores que estão na origem do quadro depressivo. Se numa depressão com origem biológica os medicamentos antidepressivos têm um papel de destaque, em algumas depressões reativas, podem até nem ser necessários. «Transversal aos dois tipos de depressão é a psicoterapia, que tem um papel fundamental na eficácia do tratamento e na prevenção de eventuais recaídas no futuro», sublinha o mesmo especialista.
 
É a psicoterapia que fornece os recursos emocionais necessários para gerir as novas adversidades da vida, como a autoestima e a segurança, o otimismo e a resiliência. «Numa fase inicial, os medicamentos melhoram os sintomas mas é a psicoterapia que permite adquirir as ferramentas psicológicas que ajudam a aumentar a resistência face a situações de vida complicadas», frisa o especialista Vítor Cotovio.
 
Relativamente à recuperação, a psicoterapia pode ajudar. «É muito importante que a pessoa adquira as ferramentas de resiliência essenciais para enfrentar as adversidades. Podemos não conseguir evitar situações stressantes na vida mas podemos controlar a forma como lidamos com elas», alerta Vítor Cotovio.
 
Nesse contexto, as abordagens psicoterapêuticas «são várias e dependem da origem da depressão». A abordagem interpretativa viaja até ao passado para resolver os problemas que remontam à infância. A existencial procura ajudar a pessoa deprimida a definir o sentido da vida, e a cognitivo-comportamental é muito eficaz nas depressões relacionadas com acontecimentos de vida adversos», indica o psiquiatra Vítor Cotovio.
 
Enquanto que na abordagem interpretativa e existencial, o tratamento é muito baseado na relação entre o terapeuta e o doente, na abordagem cognitivo-comportamental, o doente leva trabalhos de casa. «O objetivo é trabalhar distorções cognitivas. A pessoa deprimida tende a acreditar que, se foi mal-sucedida numa determinada tarefa, também vai ser em todas as outras e esta é uma crença errónea que deve ser combatida», alerta o mesmo especialista.
 
Recorde-se que, durante uma depressão, a pessoa é dominada por uma visão pessimista, perde a capacidade de perspetivar o futuro e torna-se insegura em relação às suas capacidades, mas, de acordo com Vítor Cotovio, «se o tratamento for seguido à risca, é possível adquirir a resiliência suficiente para superar as adversidades e (re)encontrar o equilíbrio».
 
Para além de tudo o que já foi referenciado, importa ainda sublinhar algo não menos essencial: o tratamento não deve ser interrompido sob pena de se abrir ainda mais espaço para recaídas. Segundo o psiquiatra Vítor Cotovio, «quando o tratamento é interrompido, há um risco muito elevado de voltar a deprimir, perante situações stressantes ou suscetíveis de desencadearem uma nova depressão», pelo que, «é muito importante evitar estas recaídas» e seguir o tratamento até ao fim. «Quantas mais recaídas a pessoa tem, mais fragilizada pode ficar», refere Vítor Cotovio.
 
Relativamente a eventuais mudanças que possam ocorrer após um cenário de depressão, o mesmo especialista destaca que, «embora as pessoas não mudem de personalidade, podem ter alguns ajustamentos, ficam mais vulneráveis, menos confiantes e com um olhar pessimista perante a vida e, nesses casos, a depressão pode arrastar-se durante vários meses e, até, tornar-se crónica», concluiu.
 
Fátima Fernandes