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O que os pais podem fazer pela saúde mental dos filhos

Foto - Freepik
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Os dados são preocupantes e, segundo os estudos, tendem a aumentar, pelo que é preciso reagir enquanto é tempo, afirmam os especialistas.

Os resultados mais recentes de um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Health Behaviour in School-aged Children – envolvendo 6 000 adolescentes portugueses – revelam «um preocupante decréscimo global da sua saúde mental e física», em comparação com anos anteriores, com mais mal-estar psicológico, tristeza, stress e insatisfação.
 
Tendo por base o mesmo trabalho de investigação que envolveu 44 países, «apesar da grande maioria dos adolescentes se considerar feliz (81,7%), 27,6% sente-se preocupado todos os dias, várias vezes por dia». 21,8% menciona que quando tem uma preocupação intensa, esta “não o larga” e “não o deixa ter calma para pensar em mais nada”; 16,2% refere que, sempre ou quase sempre, “não é capaz de controlar coisas importantes da sua vida” e 17,1% refere que sempre ou quase sempre, sente que as suas dificuldades “se acumulam de tal modo que não as consegue ultrapassar”. Além disso, 27,6% nunca ou quase nunca sente que as coisas lhe correm como queria e 26,2% nunca ou quase nunca se sente confiante com a sua capacidade para lidar com problemas pessoais.
 
A maioria dos jovens respondeu ser fácil conversar com os pais, em especial com a mãe (85,5%), mas um quarto dos inquiridos refere ter dificuldades em falar com o pai (25%). “Retém-se aqui a importância de (na família, na escola e na comunidade/autarquia), estarem disponíveis ações com crianças e adolescentes que promovam a gestão e autorregulação das emoções, a resolução de problemas, a autoconfiança”, conclui o estudo.
 
Segundo a OMS, em todo o mundo, cerca de 20% das crianças e adolescentes sofre de problemas de comportamento, desenvolvimento ou emocionais, sendo que um em cada oito apresenta uma perturbação mental. Em Portugal, entre os 5 e os 14 anos, o maior impacto negativo na qualidade de vida deve-se às perturbações mentais e comportamentais. Além disso, segundo uma pesquisa da Universidade de Calgary, um em cada quatro jovens desenvolveu algum tipo de ansiedade durante a pandemia da covid-19, enquanto a percentagem de crianças e adolescentes com depressão subiu de 12,9% a 20,5%.
 
Perante estes resultados, toda a comunidade tem de ser chamada a intervir e a dar o seu contributo, uma vez que se trata de um cenário preocupante. Uma das questões que se coloca desde logo é, até que ponto os pais estão preparados para ajudar os filhos nestas circunstâncias?
 
Segundo Elsa Rocha Fernandes, psiquiatra e docente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o decréscimo global na saúde mental, e física, dos adolescentes referido no estudo, numa fase de vida em que a saúde mental e o bem estar dos adolescentes estão relacionados com as experiências de vida e relações interpessoais estabelecidas pelos mesmos, parece dever-se a fatores que vão desde “o bullying, à falta de aceitação entre pares e à falta de suporte parental e de outros educadores (professores)”. “Esta preocupação surge, naturalmente, uma vez que é possível intervir através da promoção de fatores protetores, que tal como referidos no estudo, vão desde a sensação de conexão parental/familiar, boa comunicação familiar e apoio dos pares, que ajuda os adolescentes a adaptarem-se a eventos stressantes”, explica a especialista ao jornal i.
 
A mesma médica lembra que, vários estudos têm indicado a relação existente entre a saúde mental dos filhos e os seus respetivos pais (ou outros cuidadores que exerçam os papéis de pais – OCPP), já que estes são, “as primeiras referências, e suporte, para que os filhos se tornem independentes, desenvolvam a sua saúde emocional e se capacitem a resolver problemas”. Enquanto pais (ou outros cuidadores que exerçam os papéis de pais), de acordo com a psiquiatra, importa destacar a importância do que é dito, e sobretudo do que é feito enquanto educador e role model: “Os pais (ou OCPP) podem promover a autoestima e segurança emocional dos seus filhos incentivando-os a exprimirem, desde cedo, as suas ideias, vontades, emoções e sentimentos, demonstrando amor, respeito e aceitação”, disse ao mesmo jornal.
 
Além disso, promover a saúde mental passa também pela escuta atenta e disponibilidade para orientar os filhos para falarem com um profissional especializado em saúde mental, quando necessário e se estes não se sentirem confortáveis em falar com os pais. “A promoção de um lar seguro é também importante. Um lar em que pais e filhos falam de sentimentos, em que se promovem atividades geradoras de saúde mental como a atividade física, as brincadeiras e atividades recreativas em família”, acrescentou. No entanto, alerta, um lar em que os pais falam de sentimentos não significa, necessariamente, uma porta aberta para a discussão de todos os assuntos relativos à vida dos pais, “nomeadamente situações relativas a dificuldades financeiras, conjugais ou outras situações graves, uma vez que o nível de desenvolvimento emocional dos filhos ainda se processa, não estando ainda capacitado com os recursos necessários para uma gestão emocional saudável, causando sofrimento intenso e adicional”.
 
De acordo com a mesma especialista, em declarações ao jornal i, o estabelecimento de limites, a par com o estabelecimento do respeito pela individualidade e preferências dos filhos, “tem um papel igualmente significativo no bem estar emocional das crianças; o estabelecimento de regras, limites e deveres promove a saúde mental dos filhos, que desde cedo se veem a par com a necessidade de gerir, e regular a frustração e zanga, e onde os pais podem ter um papel de apoio na resolução de problemas”.
 
Ao mesmo jornal, Elsa Rocha Fernandes, sublinha ainda que a recusa dos pais em reconhecer a presença de sinais ou sintomas de doença mental, “pelo receio de estigmatização a que os filhos podem ser expostos”, pode ser um fator que dificulta o bem estar psíquico dos filhos, que se veem confrontados com, e em alguns casos, “o desejo de procurar ajuda profissional e o receio de exporem a situação aos pais (ou OCPP)”.
 
Segundo a psiquiatra a história parental de presença de psicopatologia, de doença mental como a depressão, a ansiedade etc., condiciona a capacidade dos pais em influenciarem positivamente a saúde mental dos filhos em comparação com pais que não apresentam doença mental: “A prioridade, aqui, para que os pais possam exercer uma influência positiva sobre a saúde mental dos seus filhos, passa pela procura de ajuda profissional, seja um psiquiatra e/ou psicólogo; com realização de psicofármacos e/ou psicoterapia e tratamento dos seus sintomas, para que a sua funcionalidade e bem estar psíquico regressem”. A título de exemplo, é de referir como os pais (OCPP) deprimidos podem, dependendo da gravidade do quadro, mostrar-se incapazes de realizar as suas atividades diárias, tão básicas quanto os cuidados de higiene habituais, a manutenção dos níveis de energia e alimentarem-se ou dormirem o necessário, “o que em termos práticos os pode incapacitar, e de forma prolongada, a apresentarem os recursos mentais necessários para a exigente tarefa da parentalidade”.
 
Ainda ao i, a mesma psiquiatra lembra que, os filhos podem partilhar do risco genético, isto é, “a vulnerabilidade genética de desenvolver doença mental, em comparação com os filhos de pais sem doença mental”. Além de fatores relacionados com a saúde mental dos próprios pais, é importante destacar “a importância da estrutura familiar”, e que a presença de “episódios traumáticos pode ter na saúde mental dos filhos”. “A disrupção da estrutura familiar pode desencadear eventos adversos que impactam a saúde mental dos filhos, embora nem toda a disrupção tenha igual impacto. Falamos, portanto, de eventos emocionalmente desafiantes para os filhos como o divórcio dos pais, história de abuso físico e/ou emocional na família ou dificuldades económicas (etc.)”, explicou.
 
Alguns destes fatores foram associados, em alguns estudos, com um risco aumentado de suicídio nos jovens. “A influência parental na saúde mental dos filhos pode dar-se ainda, de forma prática, na presença e promoção do diálogo entre pais e filhos, do envolvimento parental nas experiências da vida emocional dos filhos, desde idade precoce e sem que exista uma idade predeterminada para tal”, sublinha a especialista que acrescenta que o envolvimento parental na experiência de vida dos filhos deve “evitar o foco, e centralização, em aspetos meramente escolares”, mas focar-se “na experiência interna dos filhos”, com questões abertas dirigidas aos mesmos permitindo-lhes uma expressão livre de emoções, e sentimentos, num espaço emocionalmente seguro. “Aos pais, pede-se ainda a vigilância de sinais de alteração do humor, do comportamento dos filhos, e rotinas, e que possam ser indicativos de sofrimento psíquico e/ou que cursem com dificuldades na vida diária dos filhos (na interação com os pares, no rendimento escolar, na interação dentro do seio familiar etc.)”, apontou ainda ao mesmo jornal.
 
Segundo a psicóloga Hannah Thantrey, sendo que os pais são o primeiro contacto do bebé com o conceito de “cuidar”, têm um impacto enorme na forma como mais tarde esses mesmos bebés cuidarão de si: “Os pais são como deuses na terra para os seus filhos, por isso, desde muito cedo há esta repetição de comportamento através da observação e da crença de que aquilo é que é correto (mesmo que não seja)”, esclareceu ao i. “Diria que é das maiores responsabilidades neste mundo, a consciência de que temos um impacto direto na saúde mental dos nossos filhos. A nossa relação de bondade e cuidado connosco molda a relação deles de bondade e cuidado consigo e o respeito pela individualidade de cada um”, reforçou. Em situações de aflição, ou vulnerabilidade, a especialista acredita que os progenitores devem geri-lo com espaço, abertura, bondade e segurança “para aquele filho poder sentir que a sua experiência e as suas emoções (grandes e pequenas) são bem vindas, têm um espaço para também existir e serem vistas, acolhidas e amadas”. “Quando um filho expõe vulnerabilidade é porque ainda sente que o pode fazer. Sendo isso das coisas mais bonitas, a melhor forma de retribuir é transmitindo a mensagem de que tudo aquilo que está a surgir é bem vindo e que como pais, há disponibilidade para dar o tão desejado ‘colo’”, afirmou.
 
De acordo com Hannah Thantrey, infelizmente, ainda existe muito preconceito por parte dos pais relativamente aos psicólogos: “Acho que há cada vez menos, mas ainda há muito um medo associado ao psicólogo de que de alguma forma pode representar que há algo de errado com os nossos filhos ou que de alguma forma falhámos”, revela ao i.
 
Segundo a OMS, metade das perturbações mentais/doenças mentais na idade adulta têm início em torno dos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos passa indetetável ou não é tratada. “Este dado destaca a importância da deteção, e intervenção precoce na minimização do impacto da doença mental na vida dos jovens, os futuros adultos”, frisa Elsa Rocha Fernandes.
 
Ainda em relação a dados da OMS publicados no i,  estes referem que a depressão é a principal causa de doença e de incapacidade, e o suicídio a segunda causa de morte nos adolescentes entre os 15-19 anos de idade. “As consequências de não abordar a doença mental na adolescência estendem-se, por isso, para a idade adulta. O impacto é de tal forma significativo que pode condicionar a capacidade de manter a qualidade de vida. A procura de ajuda profissional especializada, mais uma vez, é um fator primordial na recuperação da saúde mental, o apoio necessário aos jovens adolescentes para abordarem os seus problemas de saúde, num ambiente seguro e não estigmatizante”, garante a psiquiatra ao mesmo jornal.
 
Em linhas gerais e como conclusão, torna-se essencial que, os pais conversem com os filhos, que lhes demonstrem amor e compreensão e que saibam, no momento certo, fornecer-lhes as regras e os limites para que se possam proteger, mas também compreender a importância de se respeitarem a si mesmos e aos outros.
 
É ainda de sublinhar que, uma pessoa com saúde mental cuida muito melhor de si mesma, dos outros e do espaço público onde está inserida.
 
A procura de um profissional é sempre positiva quando os pais não conseguem dar resposta aos seus problemas, aos dos filhos e também pode servir de orientação perante dúvidas que possam surgir ao longo do processo de desenvolvimento.
 
Registe ainda que, a doença mental é geradora de muita dor e sofrimento seja para a própria pessoa, seja para aqueles que a rodeiam, daí a importância de se recorrer a um psicólogo ou psiquiatra sempre que necessário.
 
Fátima Fernandes