Família

“Ou mudamos a educação ou o mundo vai afundar” – Claudio Naranjo

 
De acordo com Claudio Naranjo, psiquiatra chileno, a educação que estamos a dar às nossas crianças e jovens, está a conduzir o mundo para um abismo.

Foi aos 60 anos que Claudio Naranjo despertou para o problema. Quando foi residir para os EUA e se tornou discípulo de Fritz Perls, um dos grandes terapeutas do século XX, e passou a integrar a equipa de terapeutas do Instituto Esalen da Califórnia. 
 
A partir deste momento passou a ter profundas experiências no mundo terapêutico e espiritual. Entrou em contacto com o Sufismo e tornou-se um dos introdutores do Eneagrama no Ocidente. 
 
Aprofundou os seus estudos do budismo tibetano e do zen.
 
Claudio Naranjo que faleceu em julho de 2019, dedicou grande parte da sua vida à pesquisa e ao ensino em universidades como Harvard e Berkeley. Fundou o programa SAT, uma integração de Gestalt-terapia, o Eneagrama e Meditação para enriquecer a formação de terapeutas e  professores.
 
Da sua vasta experiência surge um alerta: “ou mudamos a educação ou o mundo vai afundar.”
 
O mesmo investigador defendeu que, “para mudar o mundo é preciso mudar a educação.” Para que tal aconteça, é fundamental ter em conta que, “os alunos querem aprender, os conteúdos é que têm de ser mais relevantes.”
 
Para o psiquiatra, “a educação não está ao serviço da evolução humana, mas sim da produção ou da socialização. Esta educação serve para adestrar as pessoas de geração em geração, a fim de continuarem a ser manipulados como cordeiros do sistema. Este é um grande mal social; querer usar a educação como uma maneira de embutir na mente das pessoas um modo de ver as coisas que irá atender ao sistema e à burocracia.”
 
Assegurando que, “a nossa maior necessidade é evoluir na educação, para que as pessoas tenham liberdade para serem o que mais desejarem”, este especialista recorda que, “a crise da educação não é uma crise, entre as muitas crises que temos, uma vez que a educação é o cerne do problema. O mundo está em profunda crise por não termos uma educação voltada para a consciência.”
 
Claudio Naranjo reforçou, “a nossa  educação está estruturada de uma forma que rouba a consciência às pessoas, que lhes retira o tempo e a própria vida”.
 
O modelo de desenvolvimento económico tem ofuscado o desenvolvimento da pessoa. Como tal, “a educação ensina as pessoas a passarem por exames, não a pensarem por si mesmas. É um tipo de exame em que não se mede a compreensão e sim a capacidade de repetir. É ridículo e faz-nos perder uma enorme quantidade de energia!”
 
Alertou que esta é uma das principais causas de falta de atenção dos alunos nas mais variadas idades. O autor acreditava que bastava mudar a educação para termos um mundo melhor, mais saudável e consciente das coisas.
 
Defendendo uma educação para a informação, uma educação que aborde o aspeto emocional e uma educação da mente profunda, Claudio Naranjo revelou que “parece que estamos presos entre uma alternativa idiota, que é a educação secular e uma educação autoritária, que é a educação religiosa tradicional. Podemos separar o Estado e a Igreja mas, por exemplo, a Espanha, tem descartado o espírito, como se a religião e o espírito fossem a mesma coisa. Precisamos que a educação também atenda à mente profunda.”
 
Referindo-se “à própria consciência, onde reside o sentido da vida”, o psiquiatra e investigador realçou que o modelo educativo atual   “tão pouco é uma educação de valores, porque a educação de valores é demasiadamente retórica e intelectual. Os valores deveriam ser cultivados através de um processo de transformação pessoal e esta transformação está longe da educação atual.”
 
A educação deve também incluir um aspeto terapêutico. O desenvolvimento pessoal não pode ser separado do crescimento emocional. Os jovens estão muito danificados afetiva e emocionalmente devido a exigências sociais e profissionais que afastam os pais dos filhos. Essa falta de tempo e de qualidade relacional também está a dar sinais de problemas graves no desenvolvimento humano.
 
Claudio Naranjo questionou como podem as crianças e jovens aprender quando estão emocionalmente afetados?
 
Na perspetiva terapêutica, Naranjo sublinhou, “tem muito a ver com a liberdade que se consegue oferecer ao indivíduo, com a espontaneidade e a capacidade de satisfazer os seus próprios desejos. O mundo civilizado é um mundo domesticado, tanto a formação, como a criança, são instrumentos desta domesticação. Temos uma civilização doente que os artistas perceberam há muito tempo e agora cada vez mais pensadores, percebem também.”
 
Clarificando a sua teoria, Naranjo explicitou: “somos seres com três cérebros: temos cabeça (cérebro intelectual), coração (cérebro emocional) e intestino (cérebro visceral ou instintivo). A civilização está intimamente ligada à tomada do poder pelo cérebro racional. Desde que ocorreu o poder político há 6000 anos atrás, instaurou-se o que chamamos de civilização. E não é só o domínio masculino e nem só o domínio da razão, mas também a razão instrumental e prática, que se associa com a tecnologia; é este predomínio da razão instrumental sobre o afeto e a sabedoria instintiva, que nos tem empobrecido.”
 
Naranjo defendeu que, “a plenitude só pode existir numa pessoa que tem os três cérebros ordenados e coordenados” e que, no seu entender, “precisamos de uma educação para os seres com três cérebros. Uma educação que poderia ser chamada de holística ou integral. Se vamos educar a pessoa como um todo, devemos ter em mente que a pessoa não é apenas razão.”
 
Ao sistema convém que cada pessoa não esteja em contato consigo mesma e nem que pense por si mesma. Por mais que se levante a bandeira da democracia, ele tem muito medo que as pessoas tenham uma voz e estejam conscientes. “A classe política não está disposta a investir em educação”, sublinhou o mesmo investigador chileno.
 
Fátima Fernandes