Comportamentos

Pais que discutem em frente aos filhos

 
É importante que os pais saibam que não existe qualquer problema em conversar sobre qualquer assunto em frente às crianças, o que não se deve fazer é discutir, muito menos de forma agressiva e acalorada.

 
O diálogo familiar e a troca de opiniões é o primeiro grande requisito para criar a harmonia entre todos os seus elementos, pelo que deve ser evidenciado. Pelo contrário, a discussão, que já se afasta e muito dessa condição, deveria também ser evitada entre os parceiros, já que essa não é a melhor forma de resolver os problemas, no entanto, sabemos que muitos casais não a conseguem evitar, «mas deverão pelo menos fazê-lo longe dos filhos», recomendam os especialistas.
 
Mas afinal, porque razão os pais não devem discutir em frente às crianças?
 
O primeiro grande motivo é que as crianças menores de cinco anos são egocêntricas, pelo que acreditam que tudo tem a ver com elas.
 
"Quando os pais discutem à sua frente, mesmo que não tenha nada a ver com ela, a criança acha que é a culpada. Como os mais novos criam essa culpa no seu imaginário, acreditam que a desarmonia da casa acontece por sua causa", explica a psicóloga infantil Rita Calegari, E isso acontece também com as crianças mais pequenas, que sentem o mau ambiente familiar e ficam angustiadas. De acordo com a mesma especialista, “é preciso mudar a energia do casal para que o filho/a volte a sentir-se amado e seguro”.
 
Para as que já entendem um pouco mais a realidade, é necessário fornecer-lhes algumas explicações sobre o sucedido. Com muita calma, o adulto que melhor estiver em condições de explicar á criança o que aconteceu, deve fazê-lo, mostrando bem que ela nada tem a ver com o assunto.
 
Alerta a mesma psicóloga que, “quando o assunto não é conversado ou é mal explicado, acarreta como consequência um sentimento de culpa na criança, sentimento esse que lhe vai abalar uma autoestima ainda em construção”.
 
 O segundo motivo assenta na ideia de que, uma criança com menos de 3 anos não entende o que é a ironia. A maioria dos casais começa uma discussão com uma conversa, o que cria a ilusão de que estão simplesmente a dialogar, mas, com o acalorar da discussão, começam a subir o tom, a envolver risos, choros, gritos e outros sons que muito afetam quem os ouve. É precisamente o que se passa com a criança que não entende a razão pela qual os pais estavam a conversar e, de um momento para o outro, começam a gritar e, em muitos casos, a agredir-se também. Como a criança não consegue interpretar corretamente o que se está a passar, “regista que, as conversas dos pais acabam sempre em gritos, com os mesmos muito zangados, o que lhe causa muito medo e insegurança dentro de casa.”
 
Para além de desconfiar dos adultos, a criança passa a ter um sentimento de impotência e insegurança. Ama os pais, sabe que precisa deles e, quando assiste às discussões, fica com a sensação de que as relações são muito frágeis. Para piorar a situação, mediante a idade da criança,  assim será a sua forma de tentar entrar na discussão e, teoricamente, tentar ajudar a resolver o problema. Sem se dar conta disso, o adulto pode também ser agressivo com o filho e ter uma atitude menos correta o que também agrava o ambiente familiar.
 
Além disso, muitas vezes o filho pensa que deve sair em defesa de um dos pais, o que causa bastante sofrimento.
 
Por último, é sempre bom lembrar que os pais são uma referência para os filhos, pelo que, será dessa forma agressiva e menos correta que a criança os vai identificar. Irá imitar os pais nas mais variadas situações e dar lugar a discussões e a gritos com as demais crianças com quem se relaciona, pelo que, este é mais um motivo para que os pais aprendam a dialogar e a proteger os mais novos destas tensões.
 
Como é que os pais devem reagir após uma discussão?
 
Os adultos não conseguiram evitar a discussão pelo que, segundo Rita Calegari, devem tentar reparar o erro o melhor que lhes for possível, para além de tentarem encontrar um novo modelo de vida que assegure a harmonia familiar.
 
Após a discussão, quem estiver mais calmo, deve conversar com a criança, explicar-lhe o que aconteceu e aliviar-lhe a culpa imaginária. “Não precisa de pedir desculpas, basta explicar-lhe que isso faz parte das relações familiares”, sugere a mesma psicóloga infantil, acrescentando que, “mesmo que precise de dar um tempo a si mesmo para o fazer, tenha esse cuidado com o seu filho nem que seja dois ou três dias depois da discussão”. Diga-lhe que, os adultos às vezes se desentendem, que ficam mais nervosos, que isso faz parte das relações entre as pessoas, mas que o problema já está resolvido e está tudo bem; pelo que ele não precisa de se preocupar.
 
É natural que a criança lhe faça algumas perguntas, pelo que a deve deixar desabafar e mesmo assumir que ficou com medo. É importante que, o pai ou a mãe a deixem aliviar essa tensão e que vão tentando confortá-la o melhor que conseguirem.
 
Ajuste o discurso à idade da criança e, mesmo que apenas tenha 2 ou 3 anos, faça esse exercício que é muito importante para o seu desenvolvimento. Os pais devem demonstrar amor, carinho e muita compreensão.
 
Refere a mesma psicóloga que, “quando as discussões ocorrem com alguma frequência, a criança pode ser mais afetada e apresentar mudanças físicas e emocionais, como falta de apetite, dificuldades em adormecer ou ir para a cama sozinha, humor irritadiço e dificuldades de relacionamento com outras crianças, pelo que, é importante conversar com ela, explicar-lhe de forma simples que, o casamento passa por momentos mais difíceis, mas que os pais estão a tentar de tudo para resolver o problema, pelo que vai ficar tudo bem.
 
Em casos mais sérios, “o melhor é pedir ajuda especializada para que os pais consigam encontrar um novo caminho para a sua relação”, sugere a mesma especialista.
 
Os pais devem ter uma atenção redobrada com as crianças que não fazem perguntas depois de terem assistido a uma discussão porque, o facto de ficarem quietas não traduz que não se tenham apercebido da discussão e que não estejam assustadas, muito pelo contrário, na maior parte dos casos, essas crianças são as que estão mais instáveis com a situação e, na maioria das vezes, ficam paralisadas e em pânico. Também neste cenário, é fundamental que, o pai ou a mãe conversem com a criança e que façam o possível para a libertar desse medo e inquietação.
 
No mesmo contexto, é essencial que os pais entendam que, discutir de forma saudável que ´é basicamente conversar e trocar pontos de vista, transmite à criança de qualquer idade, a ideia de que os adultos conseguem dialogar, encontrar entendimentos, apesar de terem pontos de vista distintos.
 
Segundo a mesma psicóloga, é muito importante este exercício que ensina, desde cedo, os valores da tolerância, da compreensão, do amor e do respeito, ao mesmo tempo em que assegura que cada um é livre de pensar da forma que quiser.
 
É ainda de evidenciar que, uma criança que nunca assiste a uma discussão saudável entre os pais não está a viver num ambiente honesto e verdadeiro, na medida em que as pessoas são distintas, têm opiniões diferentes e raramente estão de acordo em tudo. Ainda assim,  é importante transmitir-lhe a ideia de que se pode ser diferente sem agredir, sem gritar e sem faltar ao respeito. Na mesma sequência, pais e filhos desenvolvem a capacidade argumentativa e percebem que todos têm direito à sua singularidade.
 
Sabendo que as crianças aprendem por imitação, é positivo que vejam como os pais reagem nas mais variadas situações, até nas discussões.
 
Os especialistas na área da psiquiatria alertam, no entanto que, uma criança não deve assistir a uma discussão, mesmo que saudável e em tom aceitável, sobre o seu comportamento ou sobre uma decisão que os pais precisem de tomar em conjunto. Segundo os mesmos entendidos, esse facto fragiliza a postura parental e faz com que a criança fique com dúvidas relativamente á posição dos pais. Esses assuntos devem ser tratados na privacidade do casal e sem a interferência dos mais novos, recomendam os mesmos entendidos.
 
Um outro ponto a ter em atenção são as discussões mais violentas em frente aos mais novos. Neste caso, que não deve ocorrer, mas que por vezes acontece, os pais devem ter um cuidado redobrado nas explicações, sobretudo, deve ser evidenciado que isso não se faz, que os pais perderam a cabeça, mas que não é normal que esse tipo de agressão ocorra entre as pessoas. Os pais também devem ouvir as dúvidas da criança e sublinhar que a violência não deve, de forma alguma, fazer parte das relações, muito menos das familiares.
 
Fátima Fernandes