Sociedade

Quando os filhos querem mandar nos pais

Instituiu-se a ideia de que os mais velhos não são capazes de cuidar de si mesmos, que não têm gostos e vontades próprias, que não devem tomar decisões.
Instituiu-se a ideia de que os mais velhos não são capazes de cuidar de si mesmos, que não têm gostos e vontades próprias, que não devem tomar decisões.  
Foto:Wayhomestudio (Freepik)
São muitos os idosos que se queixam que, quando deixam de ser úteis aos filhos, acabam por ser “descartados” e colocados a um canto como se não tivessem valor.

Tudo corre bem enquanto os avós ficam com os netos, enquanto dão dinheiro e bens materiais aos filhos, quando lhes fazem os almoços de domingo, mas tudo se agrava quando os mais velhos querem manter o seu direito à vida e à sua maneira e os filhos não deixam.
 
Instituiu-se a ideia de que os mais velhos não são capazes de cuidar de si mesmos, que não têm gostos e vontades próprias, que não devem tomar decisões porque “a cabeça já não funciona bem” e disparam os conflitos geracionais.
 
Os filhos querem que os pais façam tudo como eles querem, em muitos casos exigem-lhes o dinheiro e demais bens materiais, tomam conta das suas prestações mensais e decidem tudo o que os pais devem fazer.
 
Mostram com muita facilidade que estão desejando que os pais morram porque já são um peso nas suas vidas e, sempre que o idoso tem alguma ideia nova, desvalorizam-na e criticam-na de imediato, sobretudo se a mesma implicar gastar dinheiro.
 
Se um velho quer voltar a casar-se, então “é o fim do mundo”, pois os filhos pensam logo no dinheiro que vão perder. Em muitos casos, os netos também já se insurgem e tal como os pais, também se acham no direito de criticar e de humilhar os avós.
 
Se esta não é a realidade de muitas famílias, há seguramente muito sofrimento silenciado e sufocado nos idosos cujos filhos não os respeitam e que querem decidir por eles, pelo que, a sociedade preocupa-se cada vez mais com a medicação, com o tempo livre e outras prestações de apoio aos mais velhos, mas também deveria refletir sobre o papel dos filhos na velhice dos pais.
 
Em consultas de psicologia, muitos idosos só dizem que gostariam de ser livres até ao fim do seu percurso e que os filhos não fossem chatos com eles. Afirmam que gostam de ter os seus descendentes por perto, mas que não gostam que eles se metam nas suas vidas. Gostam do carinho dos filhos, mas não de serem mandados por eles, apreciam os netos, mas não gostam que lhes desejem a morte ou que os desvalorizem.
 
É caso para perguntar a razão pela qual os filhos fazem isto…
 
Na posição de muitos entendidos, o aumento da esperança de vida tem dado lugar a um número cada vez maior de idosos e, com essa nova realidade, surgem novos desafios a que temos de dar resposta.
 
Muitos filhos também foram habituados a que os pais não os respeitassem e, acabam por reproduzir o mesmo modelo. Os pais mandavam nas suas escolhas, na sua vida e, em muitos casos, impunham a sua opinião que se sobrepunha á dos mais novos. Quando os pais são mais velhos e com menos capacidade de reação, naturalmente que os filhos lhes fazem o mesmo.
 
Depois, erradamente incutiu-se a ideia de que o idoso não tem faculdades suficientes para cuidar de si. Em casos de doença, isso é uma realidade, no entanto, o idoso não perde o direito à sua dignidade e vontades. Há também muito bons exemplos de idosos que se mantêm ativos e com muita saúde ao longo do tempo e, certamente são esses que mais se queixam desses excessos dos filhos, pois sentem-se em condições de viver sozinhos, de cuidar das suas lides domésticas e apenas precisam de apoio, carinho e compreensão, não de ordens!
 
Cada caso vale por si mesmo e os filhos têm também muito que aprender com os novos desafios da atualidade e perceber o que realmente os pais necessitam para que terminem o seu percurso com qualidade e da melhor forma possível.
 
Também é um facto que, muitos idosos lamentam a solidão e que os filhos nem mandam neles, nem cuidam deles. Esse abandono é um reflexo da relação entre pais e filhos e de tudo o que falhou na mesma e que merece uma análise para evitar que muitos casos lhes sucedam.
 
Na mesma sequência, há muitos cenários de maus-tratos em que, os filhos quando já são autónomos, se afastam dos pais e os deixam à sua sorte, um pouco à semelhança do que também sentiram e viveram, pelo que, temos de analisar cada caso com o detalhe e o rigor que merece, no entanto, é fundamental que se pense cada vez mais nos assuntos para que a sociedade possa evoluir, e para que as mentalidades possam conferir novos contornos ao passado.
 
Por fim, é interessante anotar que, há muitos idosos com muita qualidade de vida, que recebem amor, carinho e respeito dos filhos e netos, que estão longe e perto ao mesmo tempo, tal como há instituições que funcionam muito bem e que prestam auxílio aos mais variados cenários e que envolvem os filhos no processo para que este decorra o melhor possível, mas acima de tudo, temos de incidir sobre as falhas para que se possa melhorar e, os filhos necessitam muito de olhar para os pais como seres humanos dignos de respeito, de afeto e de liberdade para que possam terminar os seus dias com mais qualidade e alegria.
 
Fátima Fernandes