Sociedade

Historias com “final feliz” alimentam o medo

 
A maior parte de nós, cresce com a sensação de que “tem de cumprir” aquilo que lhe é determinado pelos pais, pela sociedade em que está inserido e naturalmente limitar-se a imitar aquilo que o seu grupo lhe mostra.

 
É uma sensação de viver com “uma procuração” em que nos é dada autorização para sermos aquilo que os outros conhecem e não aquilo aquilo que podemos descobrir juntando as peças do que vamos recebendo.
 
Com este tipo de base, é natural que se comecem a instalar dentro de nós os medos, na medida em, que é um grande condicionalismo termos de cumprir aquilo que nos é imposto. É certo que crescemos numa sociedade e que temos um conjunto de normas e regras de bom funcionamento que nos permitem ser livres.
 
Somos livres quando não precisamos de nos preocupar em cumprir as regras de transito porque nos está instituído que assim deve ser para evitar acidentes. Mas, ao mesmo tempo, não podemos ser meros joguetes do sistema em que temos de fazer exatamente o que os nossos pais fazem, mesmo que seja um erro.
 
No seu livro A Coragem de Confiar, Roberto Shinyashiki ilustra muito bem a história de dois irmãos gémeos filhos de um pai alcoólatra. Um dos irmãos entregou-se ao álcool tal como o pai e acabou por ser um vagabundo sem interesse por nada na vida. Lamentou a sua sorte dizendo que era como o pai. O outro irmão era um homem de sucesso precisamente porque não quis ser como o pai alcoólatra.
 
Esta história retrata muito bem a importância de sermos críticos de nós próprios e dos outros. É importante sinalizarmos os erros dos outros para não os reproduzirmos, mesmo que isso muitas vezes nos custe o afastamento de alguém. Entendo que, é por essa razão que o autor nos fala tanto no medo na sua obra. A necessidade de cumprirmos aquilo que nos é instituído tem provocado as maiores limitações ao ser humano e um medo que cresce e que parece não ter fim à vista.
 
É nesse sentido que é essencial não acreditar que tudo tem de ter um final feliz. Cada história tem o seu percurso, o seu desenrolar e o seu desfecho, pelo que não temos de andar à procura de uma beleza “superior” ou estar presos a uma qualquer ideologia pela necessidade de encontrarmos uma solução feliz para a nossa vida.
 
Aprendemos com as histórias que lemos, com os relatos que ouvimos e retiramos as nossas conclusões. Agarramos naquilo que sabemos e fazemos a nossa própria história antecipando acontecimentos mas deixando que a vida nos mostre outros caminhos possíveis para o nosso percurso.
 
Alguém dizia que não devemos fazer demasiados planos, sob pena de estragarmos os planos que a vida tem para nós e, isso faz todo o sentido neste apontamento que aqui apresento. Temos de deixar que as peças se encaixem naturalmente e ir conduzindo alguns pontos, deixando outros em aberto para que tenhamos sempre motivação para fazer algo novo e melhor.
 
Se aquele irmão gémeo seguisse o pai alcoólatra, certamente que aquela mãe teria dois filhos perdidos, mas iguais ao pai. Será isto um desfecho feliz para alguém? Muitas vezes nem pensamos que, para nos encaixarmos num determinado modelo acabamos por nos prejudicar mais do que colher benefícios e, isso acontece com a maior das facilidades, basta que imitemos de forma passiva aquilo que vemos e ouvimos. Basta que não sejamos nós a controlar a nossa vida, basta que tenhamos medo de arriscar um desfecho diferente.
 
A mãe que anda à procura só dos bons resultados escolares do filho, não pensa que o está a colocar numa prateleira sem vontade de aprender e de evoluir. Temos de incentivar, desde cedo, os nossos filhos para o gosto de aprender e para a curiosidade, já que é isso que os leva para a criação de histórias cada vez mais criativas e capazes de nos fazer perder o medo. Sim, porque perdemos o medo sabendo que pensamos e que podemos encontrar uma alternativa, uma resposta, uma solução para um problema.
 
Para que o medo não nos domine temos de pensar e para pensar temos de treinar o nosso cérebro para não ficar meramente satisfeito com o final feliz que nos mostraram num qualquer momento de vida. É bom que não gostemos e que não tenhamos um orgulho exagerado, pois é isso que nos motiva para que façamos melhor. Se eu valorizar o meu pai, mas souber que ele não é perfeito, eu acabo por me desviar da rota dele e fazer melhor ou pelo menos diferente e, isso também me prepara para me proteger nos grupos a que pertenço, já que crio uma barreira face à ilusão de que está sempre tudo bem.
 
Contrariamente ao que se possa pensar, assumir que não temos de dar um final feliz à nossa história de vida, permite-nos ser   felizes durante o percurso e em cada momento, pois o maior prazer está na construção da história e não no seu produto final!
 
Fátima Fernandes