Comportamentos

Mais do que pensar positivo é preciso ser realista

 
A ideia de pensamento positivo tem tido alguma primazia nos últimos anos, muito embora sejam cada vez mais os especialistas que discordam desta teoria.

 
Na realidade, é bom sermos otimistas e que procuremos dar um sentido positivo à nossa vida, no entanto, temos de ter em conta a importância de reservar um espaço para ver a realidade, para assumir que nem tudo nos corre bem e da forma como gostaríamos.
 
Para os entendidos na matéria, é tão importante ser capaz de ver o lado positivo das situações como assumir que nem tudo nos corre sempre bem.
 
É nessa base que se resume que o fundamental é conseguirmos ter ambas as vertentes e ver o que é preciso alimentar em cada momento.
 
Dizer por si só que “tudo vai correr bem”, não nos ajuda a viver melhor quando sabemos que, na realidade isso não é tão positivo e belo assim. A vida tem momentos altos e baixos, tem situações que nos deixam mais aborrecidos, pelo que, nesses momentos podemos acreditar que a situação vai melhorar, mas temos de aceitar que estamos a passar por uma fase negativa.
 
Encarar a vida tal como ela é, não acarreta qualquer prejuízo, muito pelo contrário, é mais doloroso fazer de conta que está tudo bem quando na realidade não está. A nossa mente está equipada para ver as situações em ambas as perspetivas e também para encarar frontalmente a realidade, pelo que é tão aceite sermos positivos quando temos motivos para isso, como estarmos em baixo quando assim a situação o exige. Não temos de estar preocupados em “estar sempre em alta”, já que isso é um engano que se paga caro.
 
Os especialistas lembram que, nas últimas décadas, «pensar positivo tem sido um conselho recorrente, afinal, é a esse modo de pensar que as pessoas tendem a agarrar-se quando enfrentam dificuldades». De alguma forma, esse recurso ao positivo ajuda-nos a tornar a vida mais “leve”, pois «injetar otimismo no cérebro impede-nos de cair no derrotismo e no desamparo». O problema surge quando temos tanta necessidade de injetar esse otimismo que nos esquecemos de ver a realidade e de aceitar que algo não correu bem, muito menos da forma que gostaríamos.
 
É fundamental ter em conta que, a nossa vida é pautada de muita incerteza e por medos, pelo que se tona muito complicada a tarefa de colocar um tom positivo em tudo. Efetivamente, a positividade e a esperança existem dentro de nós, mas de uma forma mais realista, afirmam os especialistas.
 
Para a psicóloga Julie K. Norem, professora de Psicologia da Universidade de Wellesley (EUA), «foi instalada na nossa cultura uma visão um tanto infantil sobre a positividade». Inclusive, muitas pessoas assumem que tudo pode ser resolvido se nos focarmos no lado bom da vida e das situações, completou a mesma especialista.
 
Segundo Norem, «chegamos a um extremo em que se alguém tem problemas ou não consegue ver aquela luz no fim do túnel, algo está errado na sua personalidade».
 
Mas sejamos realistas: há momentos em que não conseguimos ver o lado bom da vida, e isso não é somente compreensível, mas também esperado., completou a mesma especialista.
 
Na mesma sequência, Viktor Frankl evidenciou que, perante situações incomuns, «é normal reagir de maneiras incomuns», logo  é importante entender que existem muitos motivos diferentes pelos quais pensar positivo nem sempre é a melhor solução.
 
Na posição dos entendidos na matéria, a melhor coisa a fazer perante situações negativas é adotar uma abordagem realista: «Espero que as coisas corram bem, mas se tal não acontecer, lidarei com isso» e serei capaz de enfrentar a realidade «com estratégias adequadas».
 
Ao mesmo tempo, pensar positivo por si só, pode levar-nos a uma atitude passiva, pois se tudo vai correr bem, em teoria, não seria preciso fazer nada para resolver o problema ou enfrentar um desafio. Esse excesso de confiança também nos pode conduzir ao fracasso.
 
Julie K. Norem explica que «é aconselhável adotar uma perspetiva um tanto pessimista sobre a realidade. Trata-se de embaralhar todas as possibilidades e lembrar-se de que o que a pessoa deseja e espera pode acontecer», mas também existe a possibilidade de as coisas não ocorrerem da melhor forma, pelo que,  devemos dar o nosso melhor, trabalhar o mais possível e lutar para que a situação decorra como pretendemos.
 
A mesma psicóloga adverte ainda que, a ansiedade e o stress não ajudam a que as situações corram sempre bem, pois «uma mente ansiosa tem a peculiaridade de não ser capaz de ver o lado bom da vida». Nestas situações, o facto de pensar positivo não beneficia a tensão gerada por uma preocupação, por um estado de stress e ansiedade. A mesma psicóloga sublinha que, «há situações em que não nos conseguimos animar, muito menos acreditar num determinado desfecho positivo», por isso temos de respeitar essa condição e ouvir o nosso “eu” para depois nos recuperarmos.
 
Assim, não devemos cair nos extremos: nem no positivismo ingénuo, nem no pessimismo crónico. Devemos procurar encontrar o equilíbrio e assumir que, nem sempre a vida é fácil, mas que vamos lutar por algo que desejamos ou que temos de fazer, tendo sempre em conta a imprevisibilidade da vida, as incertezas, os nossos medos e a possibilidade de falhar.
 
Perante esta condição, torna-se interessante que o sujeito aprenda a lidar com as frustrações, os medos e que aprenda a aceitar, cada vez com mais naturalidade que, umas vezes conseguimos, outras não. Às vezes, a situação corre como gostaríamos e ficamos muito confiantes e alegres, outras temos de enfrentar a negatividade e voltar a reunir forças para tentar novamente; para corrigir um erro ou para superar um desafio mais exigente. Esta é uma forma madura de vida já que encontra o equilíbrio entre o positivo e o negativo que reside na capacidade de ver a realidade.
 
Fátima Fernandes