Sociedade

Algarve: Plataforma Água Sustentável discorda da proposta Pomarão e do processo de dessalinização

 
A Plataforma Água Sustentável (PAS), tornou público o seu desacordo com as informações de que o transvase de água do Pomarão e da construção de uma (ou várias) estação de dessalinização são soluções para o problema hídrico do Algarve.

Diz que as soluções constam do Plano de Recuperação e Resiliência, e estão candidatas a financiamento da chamada "Bazuca Europeia". 
 
Para a plataforma constituída pelas associações e movimentos A Rocha, Agua é Vida, Almargem,  Associação Faro 1540, Civis, Glocal Faro, Quercus Algarve, Regenerarte, o problema hídrico no Algarve "advém de factos muito diversos" como a situação deficitária das barragens, a situação preocupante dos recursos hídricos subterrâneos ou o alto consumo, sobretudo da agricultura, sublinha em nota enviada à comunicação social. 
 
Mais em pormenor, o documento revela que a situação das barragens mantém-se deficitária. Em janeiro, segundo dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos - SNIRH, o volume total útil armazenado nas 6 albufeiras do Algarve é de 225 hm3, abaixo do valor anual global de consumo no Algarve, exceção da barragem do Funcho, cujo volume armazenado no final do mês de janeiro é ainda baixo e muito inferior à média para o mesmo período.
 
De acordo com a mesma fonte, a barragem de Bravura que é explorada pela Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor, apresenta um nível de armazenamento preocupante e pode obrigar a aumentar a pressão sobre os aquíferos subterrâneos naquela zona; a situação dos recursos hídricos subterrâneos é também preocupante, a Administração da Região Hidrográfica do Algarve não consegue obter dados exaustivos relativos à situação da água subterrânea, quer quanto ao número de captações, quer quanto aos volumes de água captados por cada furo. "Desconhecendo-se, portanto, a disponibilidade real de água nos aquíferos subterrâneos", sublinha a Plataforma Água Sustentável.
 
A má qualidade da água nos aquíferos, quer por infiltrações dos nitratos usados na agricultura de regadio (Almancil, Campina de Faro, Mexilhoeira Grande e Tavira), quer por intrusão salina continua a ser um grande problema; que no entender das associações ligadas à plataforma, "a melhoria da qualidade da água dos aquíferos referidos, apesar de algumas medidas tomadas, tem sido muito lenta". Apesar disso, embora em 2020 não tenham sido autorizados novos furos nas 8 massas de água condicionadas 3, continuam a surgir novos furos de captação por estarem a ser concretizadas autorizações anteriormente existentes.
 
Além disso não tem havido revisão dos títulos de utilização, nem por má qualidade da água, nem por baixo nível da água nos aquíferos.
 
O consumo, sobretudo da agricultura, é alto - segundo informações da DRAPAlgarve, uma região com tão pouca água, a agricultura de regadio é o seu maior consumidor, responsável por quase 2/3 do consumo global anual de água no Algarve (muito, muito acima dos 44% de média da UE). O abacateiro é já a segunda cultura de regadio no Algarve, a seguir aos citrinos; estes produtos agrícolas, que consomem muita água, não se destinam à independência alimentar do País ou da região, são para exportação e trata-se de um negócio que beneficia empresas/empresários privados, refere o mesmo documento.
 
Para a PAS, a situação de deficiência hídrica do Algarve é estrutural. "Pode chover muito um ano, mas, globalmente, há diminuição da pluviosidade geral e consequentemente das suas reservas hídricas".
 
Esse carácter estrutural é reconhecido no Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas - PIAAC (junho de 2020), documento detalhado e fundamentado tecnicamente, elaborado por "renomados" especialistas, com o contributo constante de inúmeras organizações da sociedade civil. O PIAAC estabelece vários cenários, propõe a monitorização dos recursos hídricos e a adoção de soluções de acordo com a evolução da situação.
 
Como medidas de curto e médio prazo, é aconselhado melhorar as políticas atuais (remodelar as infraestruturas de rega de modo a suprimir as perdas na rede e reduzir as necessidades de água nos espaços verdes urbanos), implementar técnicas de retenção de água (paisagens de retenção de água, lagos artificiais, bacias de retenção, açudes e reservatórios).
 
É considerado que "caso o cenário climático venha a revelar-se o menos gravoso essas medidas serão suficientes para manter a disponibilidade hídrica atual até ao final do século".
 
No Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve - PREHA (julho de 2020), é igualmente reconhecido, que "o agravamento da situação crítica que se verifica em toda a região do Algarve, tanto em termos meteorológicos, com temperaturas acima da média e precipitação muito abaixo da média, como em termos de disponibilidades hídricas… tornou imperativa a definição imediata de medidas". No entanto, a definição dessas medidas, "ignora olimpicamente quer a sociedade civil quer o PIAAC, e, via Agência Portuguesa do Ambiente - APA", tendo sido contratada uma equipa para decidir entre várias soluções. Essa equipa, criada para elaborar o Estudo de Viabilidade das Medidas a longo prazo é composta por Pedro Cunha Serra, António Carmona Rodrigues e Rodrigo Proença de Oliveira. 
 
A PAS explica ainda que Carmona Rodrigues, foi o responsável pelo projeto do Pomarão que a Algarfuturo apresentou e defendeu em diversas sessões no Algarve durante os anos de 2019-2020. Desse estudo só sobraram duas "soluções", cuja necessidade fica por provar, "mas com impactos ambientais e económicos muito elevados": a condução de água do Pomarão e a construção de (1, 2 ou 3) centrais de dessalinização.
 
Numa sessão, promovida pela Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos - APRH, foi reafirmada a informação de que a água do Pomarão, a ser custeado por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, já que água captada no Pomarão será comercializada mais barata do que a obtida por dessalinização. Quanto à dessalinização, a ser implementada por empresas privadas, disponibilizará o m3 da água para consumo doméstico por um valor mais alto, "apesar da água ser um bem indispensável à vida e, por isso, um direito assegurado pelo Estado aos seus cidadãos", critica a mesma plataforma.
 
A PAS apela, deste modo, à participação na Consulta Pública, em curso até 1 de março próximo, sobre o Plano de Recuperação e Resiliência onde o transvase de água do Pomarão e a construção de uma (ou várias) estação de dessalinização no Algarve constam como medidas a financiar.