De acordo com uma publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos que entrevistou este especialista, «o uso de smartphones por parte dos mais novos e sem supervisão, assusta-me». No entanto, «não me assusta quando são utilizados para melhorar o desenvolvimento das crianças. Esse é o aspeto que a tecnologia tem: a forma como se usa pode ter um efeito facilitador, construtivo, ou pode ser inibidor e destrutivo. Quando se trata de crianças, muita da interação é mediada pelos pais e isso vai ditar que tipo de experiência é proporcionada», sublinha.
O psicólogo destaca que, as indicações americanas e da Organização Mundial de Saúde dizem que antes dos dois anos não deve ser utilizado qualquer ecrã de proximidade. «Ainda não se sabe muito bem o impacto ao nível do desenvolvimento da arquitetura neuronal e, na dúvida, não se está a arriscar. A partir daí, as indicações são para o uso de 30 minutos entre os dois e os cinco anos, mas obrigatoriamente mediado por um adulto. A criança não deve, não pode ficar sozinha na experiência interativa com o ecrã entre os dois e os cinco anos de idade», alerta João Faria.
Os adultos devem vigiar a utilização dos equipamentos digitais por parte das crianças, para controlar o tempo de utilização e também o tipo de conteúdos a que os mais novos acedem, especifica o mesmo psicólogo realçando que os adultos também devem explicar às crianças o que estão a ver para que a experiência não seja vazia de significado e para que possam aprender algo.
De acordo com João Faria, «a nossa equipa no PIN (Núcleo de Intervenção no Comportamento Online) tem muito a visão – que é corroborada por várias investigações pelo mundo inteiro – de que a proibição vai conduzir a um artificialismo e a um não aproveitar de oportunidades. Somos muito mais a favor de uma utilização regrada, com limites, construtiva e promotora de desenvolvimento do que de uma proibição», sugere.
O psicólogo entrevistado pela FFMS adianta que, «desde o primeiro contacto com os ecrãs, incluindo até a televisão, deve passar-se um conjunto de mensagens extremamente importantes. A primeira é a de que estes meios não podem ser os únicos meios de entretenimento; os únicos meios de informação, os únicos meios de relacionamento com familiares e com amigos e colegas. Nunca podem ser exclusivos. A outra componente, tem a ver com o limite de tempo: nunca pode ser uma experiência muito demorada, porque vai limitar o envolvimento noutro tipo de experiências, igualmente promotoras do desenvolvimento».
De acordo com o psicólogo clínico, o PIN está a desenvolver um videojogo «que será uma experiência de sensibilização para os jovens e para os riscos da utilização excessiva dos videojogos, que se pode transformar numa adição».
O mesmo especialista evidencia que, está a caminhar-se para a identificação de uma adição associada às redes sociais, como hoje já acontece com a adição aos videojogos, mas além destes, as redes sociais também têm muitos riscos, alerta.
«Hoje só existe o diagnóstico de adição aos videojogos, o tal gaming disorder, e também existe a adição ao jogo a dinheiro. Ainda não existe o social media disorder ou social media addiction, apesar de já ser falado e referido pelas famílias, que se queixam muito. Já vai sendo sugerido, em publicações, essa adição às redes sociais, mas ainda não está formalmente identificada como tal», explica.
Para João Faria, «a arquitetura das redes sociais tem mudado no sentido de introduzir componentes aditivos na sua utilização, que aumentam o risco perante indivíduos mais vulneráveis», caminhando para facilmente se transformarem num comportamento aditivo». E explica: «um fenómeno muito atual ligado às redes sociais é o chamado «FOMO», o «Medo de ficar de fora».
O Fear of Missing Out (FOMO) é um fenómeno muito atual. É uma experiência intensa de ansiedade, derivada da ideia de que se está a perder algo absolutamente fundamental, decisivo, que se for perdido, acarreta o risco de o indivíduo ficar de fora de alguma informação pertinente ou de algum acontecimento extremamente relevante que lhe vai dar uma desvantagem social e colocá-lo numa posição de perigo relativamente ao seu grupo. E, de acordo com este psicólogo, «quem mais sofre deste problema são os jovens entre os 16 e os 24 anos, para quem os temas da integração social se tornam tarefas de desenvolvimento fundamentais. É abordado como uma perturbação de ansiedade».
Na mesma entrevista à Fundação Francisco Manuel dos Santos, João Faria alerta também para os riscos associados ao cyberbullying, especialmente porque os jovens falam primeiro com colegas e amigos sobre o que lhes está a acontecer e não pedem ajuda aos pais, professores ou outros adultos, levando a situações muito complexas e a que se coloquem em riscos elevados.
O psicólogo explica ainda a diferença entre supervisão e policiamento por parte dos pais e esclarece que, «não se deve ser um pai ou mãe helicóptero, que é o pai ou a mãe que está sempre em cima de tudo o que está a acontecer, mas sim que, «as regras que os pais devem ter com os filhos, em termos de comportamento online, são bastante semelhantes às que devem ter no comportamento offline».
«Eu preciso de saber onde é que o meu filho vai, com quem é que vai estar e, de certa forma, o que é que vai fazer. Mas depois, o que acontece, do ponto de vista das conversas, já me escapa bastante. Este é um modelo que também deve ser seguido na internet. Mas, muita da informação online já é de um grau de privacidade na vida do indivíduo, a que ele tem direito. Este direito vai aumentando à medida que o indivíduo vai crescendo», sublinha.
O responsável pelo PIN explica que, «por volta dos 12 anos, com a introdução dos smartphones, a password dos adolescentes pode ser do conhecimento dos pais que podem aceder ao telefone sempre informando os filhos de que o vão fazer».
Mas à medida que o jovem cresce vai conquistando o direito a ter uma password que os pais não conhecem. «E aí, eu costumo dizer nas formações que se aplica à regra do "Quem não deve, não teme". Ou seja, os pais não sabem a password do jovem, portanto, não há o risco de ir à ‘socapa’ ver os conteúdos e pessoas com quem o filho interage. Mas, quando os pais dizem "Eu quero dar uma espreitadela", o jovem está comprometido a desbloquear o seu telefone e a passá-lo aos pais para eles fazerem a sua supervisão. O essencial é conseguir um equilíbrio entre a supervisão e a privacidade», recomenda.
O especialista lembra também que, o vício em videojogos «é semelhante à tolerância no campo das dependências com substância: se são necessárias doses cada vez maiores de droga para satisfazer o indivíduo, neste caso são necessárias quantidades maiores de tempo de jogo, para se conseguir satisfazer». E, o problema é que o utilizador diz que vai parar, mas acaba por não cumprir com a sua promessa levando a que esteja cada vez mais tempo ligado». Alerta que os riscos associados a este tipo de comportamento, passam por conflitos com os pais, um alheamento face ao mundo em seu redor, perda de amigos, notas a baixar ou diminuição no rendimento escolar ou profissional.
João Faria alerta ainda para estes sinais preocupantes: mentir sobre o tempo que se esteve a utilizar o videojogo; utilizar o videojogo para fugir a emoções e perder ou criar fortes conflitos com figuras significativas.