Comportamentos

Como conquistar a obediência da criança preservando a sua individualidade?

 
Num dos seus artigos, publicados em Infânciabemcuidada.com, Cristiane Lasmar apresenta algumas dicas preciosas para que os pais aprendam a lidar com crianças difíceis chamando ainda a atenção para alguns pontos de reflexão, entre outros, “Como conquistar a obediência da criança preservando a sua individualidade?”, é precisamente aí que incidiremos este apontamento.

Para a mesma especialista na área da psicologia, temos de destacar dois pontos cruciais: em primeiro lugar, nada é mais importante na educação do que a Regra de Ouro: trate o seu filho como gostaria de ser tratado. «Respeite-o como pessoa». Em segundo lugar, e não menos importante: jamais permita que o seu filho o desrespeite. Para Cristiane Lasmar, «nenhuma expressão de desrespeito deve passar em branco».
 
No mesmo artigo, a especialista realça a dificuldade em conseguir este objetivo, sobretudo porque a educação parental é exigente «e carregada de interações», pelo que, «seria realmente um milagre se conseguíssemos ter o controle pleno da situação a toda a hora».  A criança oferece, naturalmente, resistência à autoridade dos pais, e isso aplica-se até às mais sensatas ou cordatas. «O impulso de oposição é um instinto natural, um treino de individualidade, que começa a fazer-se notar de maneira mais evidente a partir dos dois anos de idade». Segundo  Cristiane Lasmar, «lidar com essa oposição pode ser muito desgastante em alguns momentos, mas não há outra solução». A criança precisa de ser educada, precisa de ser levada a desenvolver as suas qualidades e  aprender a controlar os seus defeitos, de modo a que possa conviver bem e elevar-se na direção do que é bom e justo, completa a mesma especialista.
 
Perante esta constatação, Lasmar lança a questão: «como orientar os nossos filhos sem exigir que eles deixem de ser eles próprios, exigência que, por sinal, estaria fadada ao fracasso e que só produziria consequências danosas?» O primeiro passo para uma atuação educacional que respeite a pessoa da criança «é o conhecimento e a compreensão das suas necessidades mais íntimas e das suas disposições mais fundamentais». Sem esse conhecimento não é possível prever as suas reações e levá-las em consideração na nossa prática educativa. Para a mesma especialista, esta é a chave que nos permite afirmar a nossa autoridade sem recorrer a expedientes que envolvam desrespeito, violência e humilhação ou que exacerbem os conflitos ao invés de resolvê-los.
 
No mesmo apontamento, Lasmar sublinha que, em primeiro lugar «é preciso levar em conta que existem crianças naturalmente mais opositoras que outras» e completa:  algumas relutam tanto em ceder que podemos dizer que, para elas, “existir” quase se confunde com “resistir”. O impulso opositor é um traço estruturante da disposição existencial de algumas pessoas, e isso  revela-se desde cedo. Há crianças que precisam de estar sempre a expandir-se, fazendo-se notar pela sua capacidade de se impor. De acordo com a mesma psicóloga, estas crianças trazem consigo, desde o berço, «um forte ímpeto de afetar o mundo» e,  no que se refere à colocação de limites, «essas crianças são sempre mais difíceis de se lidar».
 
Há crianças, por outro lado, que não têm necessidade de  expressar dramaticamente a sua individualidade, de disputar o poder com os outros, e muito menos com os pais. Estas crianças não os confrontam, porque a capacidade de colher as impressões e absorver as orientações dos adultos está perfeitamente integrada à sua própria disposição existencial. E entre esses dois tipos, digamos, extremos, «há uma infinidade de formas pessoais de lidar com os limites impostos pela realidade».
 
Cristiane Lasmar fala em “infinidade” porque – não nos devemos esquecer – que cada criança é uma configuração em si mesma.
 
No entanto, a mesma especialista lembra que,  «o comportamento opositor pode formar-se mesmo nas crianças mais cordatas, como decorrência de circunstâncias imediatas ou mais amplas da vida» e sublinha que, a criança pode tornar-se mais resistente à ação educativa dos pais por uma série de fatores, entre eles, uma relação insegura de apego, ciúmes de um irmão, ansiedade decorrente de um ambiente doméstico permanentemente desarmónico ou de uma experiência traumática, conflitos na escola, sedentarismo etc. «O stress físico também é um gatilho muito frequente do comportamento opositor, principalmente em crianças pequenas», completou acrescentando que,  mesmo a criança mais fácil pode tornar-se impossível simplesmente porque está com dor, sono,  fome. Por tudo isso, antes de concluir que uma criança seja “difícil” por natureza, é preciso eliminar a possibilidade de que o seu comportamento esteja a ser influenciado por fatores externos, registou a mesma especialista.
 
Se, mesmo com essa análise das circunstâncias, os pais identificarem o impulso opositor como um aspeto da disposição pessoal da criança, «a única coisa inteligente a fazer é lidar com esse facto como um dado adquirido, salientou Lasmar advertindo que, muitos pais têm de aceitar que têm ao seu cuidado uma criança enérgica, que gosta de exercer pode, pelo que só lhes resta aceitar o filho ou filha tal como ele ou ela é.
 
Nesse processo de aceitação, os pais não devem rotular os filhos, muito menos defini-los em termos depreciativos. «O impulso e a capacidade de se impor não são características intrinsecamente negativas», pelo contrário,  «se usadas em prol de boas causas e valores, tornam-se recursos valiosos e admiráveis». A meta dos pais, segundo a mesma psicóloga, deve ser a de levar o seu filho ao melhor de si mesmo, de ajudá-lo a conduzir o seu ímpeto de dominar a um equilíbrio virtuoso, e não a de transformá-lo noutra pessoa. E isso depende da forma como os pais conseguem exercer a sua autoridade «sem criar uma escalada de conflitos», advertiu a mesma especialista.
 
Para Cristiane Lasmar, «a tarefa de educar a criança opositora deve ser encarada menos como um desafio e mais como uma arte». Os pais devem mobilizar as suas melhores técnicas e qualidades como sendo a paciência, a empatia, a persistência, o foco e a imaginação. A mesma especialista reforça que, «quando a criança tem satisfeitas as suas necessidades normais de apego e cuidado, o caráter opositor pode-se tornar perfeitamente contornável, transformando-se, com o tempo, apenas num modo particular e pessoal de reação ao imperativo de obedecer aos pais. Quer isto dizer que, «a criança eminentemente opositora irá sempre testar os limites da obediência, mas, se for bem atendida nas suas necessidades e bem conduzida, encontrará nos pais uma referência de segurança e autoridade». Aos poucos, vai aprender a controlar-se e ficará confortável com isso, frisou Lasmar.
 
Uma maneira de lidar com a oposição da criança «sem correr o risco de asfixiar a sua individualidade» é priorizar aquilo que é essencial para os pais, dando ao acessório o lugar menor que lhe cabe. Esse discernimento é crucial para evitar que a relação seja desgastada com inflexibilidades desnecessárias, sublinhou a mesma especialista anotando que, os princípios, valores e regras que sejam inegociáveis «devem ser apresentados ao seu filho como tal», o resto, pode ser acomodado de acordo com as circunstâncias do momento e as características da criança.
 
«Refletir sobre a sua hierarquia de valores na educação é absolutamente imprescindível», sublinha Cristiane Lasmar, «mas é preciso também estar atento a uma série de fatores que podem tornar momentaneamente confusa a nossa perceção da diferença entre o que é essencial e o que é acessório». Dentre os mais frequentes, a mesma especialista destaca os estados emocionais conturbados, o cansaço intenso, e a pressão exercida pelo olhar de terceiros. «Ninguém está livre dessas armadilhas, e neutralizá-las é sempre mais fácil se estivermos conscientes delas». Educar requer um constante exercício de autoconsciência, além de uma boa dose de independência em relação à aprovação alheia. «Procure não agir por impulso, cultive o autocontrole e o sentido de prioridade, faça um esforço para não dar à criança ordens e direções sobre as quais não esteja realmente convencido de que precisam ser inevitavelmente cumpridas ou de que ela é de facto capaz de cumprir». O seu compromisso é com o seu filho e não com a opinião dos outros. Só os pais sabem qual é  o melhor modo de lidar com  a criança e colocá-la no caminho da virtude, aconselha Cristiane Lasmar.
 
Na conclusão do seu artigo, a mesma especialista reforça que, «o trabalho de educar requer uma boa dose de inteligência e serenidade. Não há manual que possa abarcar toda a complexidade da tarefa de elevar uma criança aos seus patamares mais altos. Cada pessoa é um ser único, insubstituível, e ninguém veio ao mundo para ser modificado na sua essência. As crianças estão aqui para ser acolhidas, protegidas, ensinadas e orientadas a desenvolver as suas melhores inclinações. E é nesse sentido que a nossa ação educativa se reveste de um grande valor. Não devemos hesitar: temperada pela razão e pela empatia, a autoridade dos pais é uma riqueza para a criança».
 
Fátima Fernandes