Demência: uma realidade na maioria dos idosos institucionalizados

 
A demência é uma realidade que não pode ser descurada e que afeta a maioria dos idosos que reside em lares.

 
Esta é a conclusão de um estudo divulgado a que o Algarve Primeiro teve acesso.
 
O psiquiatra Manuel Caldas de Almeida apontou que o envelhecimento da população é um facto, do qual decorre que algumas pessoas tenham demência e outras grandes dependências físicas.
 
Tendo por base as conclusões deste trabalho de investigação levado a cabo pela União das Misericórdias Portuguesas, quase 80% dos idosos que vivem em lares sofrem de demência e necessitam de cuidados específicos.
 
O estudo dá conta de que, nove em cada dez idosos em lares apresenta alterações cognitivas que sugerem demência, sendo que dentro deste grupo, 78% tem efetivamente demência.
 
O mesmo trabalho integrado no projeto VIDAS - Valorização e Inovação em Demências, que teve a duração de  de dois anos e envolveu 1.503 idosos de 23 instituições, avaliados por psicólogos e neurologistas para detetarem a existência de demências e o seu grau, revelou que, apenas 3% dos idosos nos lares não tem alterações cognitivas e 8% tem alterações cognitivas, mas sem demência.
 
Citado pela TVI, o coordenador do estudo explicou que, numa primeira fase, foi pedido aos diretores técnicos e aos responsáveis das unidades para identificarem os idosos com e sem alteração cognitiva e aqueles com e sem demência.
 
Segundo Manuel Caldas de Almeida, havia entre 25% a 30% de idosos com demência, 5% de idosos sem alterações cognitivas e 6% com alterações cognitivas sem demência.
 
Os dados mostram também que 70% dos idosos naqueles lares não estavam detetados como tendo defeitos cognitivos.
 
Estes números alteraram-se significativamente na segunda fase do estudo, em que seis psicólogos avaliaram os 1.503 idosos e cujo diagnóstico foi posteriormente comprovado por duas neurologistas, tendo então revelado que a maioria dos idosos nos lares tem demência.
 
Entre os idosos avaliados, em 48% os sintomas iniciais da doença manifestaram-se na memória, mas em 55% afetou outros domínios cognitivos e em 33% alterou o comportamento.
 
De acordo com estes resultados, existe um número muito significativo de idosos com demência nos lares e muitos casos em que a doença não é reconhecida.
 
O psiquiatra admitiu que o número final ultrapassou as expectativas iniciais e defendeu, por isso, que é preciso transformar os lares, já que estas instituições não estão a prestar um bom serviço em matéria de demências, “uma vez que não estão preparadas para ter pessoas com demência”.
 
Caldas de Almeida realçou que, “a demência é uma doença que não é provocada por uma pessoa estar em casa ou num lar", o facto de existir uma tão elevada percentagem de pessoas com demência nos lares “tem a ver com o envelhecimento da população e com o facto de serem as pessoas mais frágeis e mais dependentes que são referenciadas.”
 
Ainda assim, “os lares têm uma percentagem muito maior de pessoas com demência do que a sociedade em geral”, acrescentou.
 
No estudo da UMP participaram 1.503 pessoas, com idades entre os 46 e os 105 anos, a maioria (709) dentro dos 80 aos 89 anos, 30% do sexo masculino e 70% do sexo feminino.
 
Um total de 94% tem a escolaridade primária, 83% foram operários, trabalharam no setor primário ou eram trabalhadores não qualificados. Em matéria de estado civil, 57% é viúvo e 21% é solteiro.
 
Antes da institucionalização, 30% dos idosos tinham estado num centro de dia e 30% tiveram apoio domiciliário.
 
O motivo da institucionalização num lar teve a ver, em 42% dos casos, com uma dependência e em 30% com o isolamento ou solidão. Em 35% dos casos, os idosos apresentavam uma doença neurológica prévia, sendo que 65% destes ficaram com sequelas.
 
O coordenador do estudo reforça ainda que, “os lares não estão preparados para cuidar das pessoas com demência, pelo que é urgente uma mudança de paradigma com mais formação, mudanças arquitetónicas e apoio domiciliário mais forte.”
 
Caldas de Almeida enfatizou que não é o facto de um idoso estar num lar que provoca demência, já que se trata de uma doença crónica, mas apontou que a evolução da doença e a velocidade a que ela se faz “pode ter a ver com ambientes estimulantes”.
 
Se nós tivermos lares em que as pessoas não são trabalhadas, não têm ambientes estimulantes, em que não há atividades lúdicas, de estimulação, então as pessoas que têm demência podem parecer estar numa fase mais avançada, podem ficar mais lentas, mais tristes, podem ficar com a demência mais avançada”, apontou o psiquiatra.
 
Segundo Caldas de Almeida, são duas as prioridades: renovar tecnicamente os lares para ficarem adaptados às pessoas com demência e apostar na formação.
 
Sabe-se que profissionais qualificados, com competência relacional para tratar as pessoas com demência, previnem em 90% as reações secundárias, que são a agitação e a agressividade, as alucinações”, apontou.
 
Acrescentou que é possível, sem medicamentos, melhorar muito a qualidade de vida destas pessoas se, quem estiver com elas, souber estar, o que faz com que a formação seja uma “arma fundamental”.
 
Se não fizermos isto, há muita gente a sofrer em Portugal porque estamos a prestar cuidados inadequados”, apontou Caldas de Almeida.
 
Na opinião do psiquiatra, este é o momento para mudar o paradigma dos lares já que o programa Portugal 2020 vai ter recursos específicos para a adaptação, remodelação e renovação dos lares.
 
“Nós temos poucos recursos, mas as necessidades nesta área estão a explodir completamente”, defendeu, acrescentando que a realidade das pessoas com demência não se confina apenas aos lares e que está também presente no seio das famílias.
 
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