Sociedade

Manuel Viegas Guerreiro trocado por miúdos no Dia Mundial da Criança

Crianças da aldeia de Querença criam jogos e um vídeo que dão a conhecer o antropólogo Manuel Viegas Guerreiro (Querença,1912 – Carnaxide, 1997) às gerações do século XXI. O projeto chama-se “Antropologia do Espanto” e é apresentado em junho, no Dia Mundial da Criança.

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O legado de Manuel Viegas Guerreiro, o histórico de colaborações entre as várias parcerias envolvidas e o barro de Querença permitiram que, através da arte, fosse concebido um conjunto de recursos educativos em torno da vida, do pensamento e dos estudos do etnólogo, antropólogo e pedagogo do século XX.
 
«Os recursos educativos germinados em Querença têm a sua génese no pensamento de um homem de escuta, uma figura singular e do mundo. Universalista, profundamente humanista e cujos valores, acreditamos, podem ser trabalhados desde muito cedo, junto das gerações mais novas, a partir da sua aldeia natal, Querença», salienta Marinela Malveiro, da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG). 
 
A pensar nos mais novos, a FMVG aliou-se à Câmara Municipal de Loulé e à associação Ao Luar Teatro que desenvolvem com a comunidade escolar local, respetivamente, o projeto multissensorial “Vemos, Ouvimos e Lemos” (desde 2019, a partir da Fundação) e “Quarto Minguante”, numa parceria com a União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim (desde 2016).
 
Juntas, as três entidades resolveram criar o projeto “Antropologia do Espanto”, inscrito na I Bienal Cultura e Educação, “Retrovisor: uma história do futuro”, promovido pelo Plano Nacional das Artes.
 
No processo, os alunos têm sido sensibilizados, ao longo deste ano letivo, para os valores do antropólogo. A partir dessa sensibilização, as crianças concretizaram vários jogos, entre eles, o jogo da botica e o do galo. O projeto tem despertado as crianças para a importância do património cultural e imaterial local, explorando provérbios, adivinhas, rimas, trava-línguas e lengalengas. Um jogo de chão em lona com 4x3 metros, similar ao Jogo da Glória, relaciona este património a partir do conto maconde recolhido por Manuel Viegas Guerreiro no norte de Moçambique: “O caracol e a gazela”, cruza jogos, tradições e o legado de Manuel Viegas Guerreiro. Uma das casas do jogo, por exemplo, convida a ouvir cantos macondes, por crianças macondes, a partir do acervo sonoro de Manuel Viegas Guerreiro, alojado em Querença. 
 
O “tabuleiro de chão”, onde se desenrola o jogo, com ilustrações em aguarela, evidencia os lugares em que o antropólogo desenvolveu investigação no mundo, espelhando fotografias de animais, alojamento e pessoas por si captadas. Inclui ainda algumas das suas recolhas, tais como as adivinhas que constam dos cartões, registadas em “Adivinhas Portuguesas”, um livro de 1957 que inclui património oral de Querença. 
 
Na dinâmica do jogo, as crianças saltam em sacas de serapilheira ou percorrem o espaço exterior da Fundação ao encontro das respostas para os cartões que o jogo também integra, lembrando as palavras de Viegas Guerreiro «A vida é atividade permanente, o repouso não passa de ilusão», no livro “Os Macondes de Moçambique” (Junta de Investigação do Ultramar, 1966).
 
O projeto contempla um vídeo com entrevistas realizadas pelas crianças de 1.º ciclo de Querença junto de várias pessoas da aldeia, que conheceram Manuel Viegas Guerreiro ainda em vida. Vídeo que será exibido no dia 1 de junho. Jogos e oficinas aguardam pelos alunos das escolas do ensino básico de Querença, Tôr e Benafim, do agrupamento Padre João Coelho Cabanita. A associação Ao Luar Teatro levará a animação infantil “Bichos do mato”, para as crianças do pré-escolar.   A apresentação é aberta ao público em geral. 
 
A Fundação recorda que Manuel Viegas Guerreiro lutou sempre pela preservação da memória, pelo registo das tradições, tendo criado a disciplina de Literatura Tradicional Oral na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde foi Professor Catedrático. Nesse mesmo local, em parceria com o Centro de História da Universidade de Lisboa, a FMVG inaugurou recentemente a exposição itinerante «Boers de Angola, 1957», organizada pela investigadora Luísa Martins. A mostra é complementada com a exibição de um conjunto de equipamentos de vídeo e áudio de Viegas Guerreiro. De acesso livre, está patente ao público até ao dia 9 de junho.