Foi ao som do “Grândola Vila Morena” que tiveram início as comemorações do 40º Aniversário do 25 de Abril no concelho de Loulé, no passado sábado, 15 de março. Desta vez, o emblemático tema de Zeca Afonso não foi a senha da Revolução mas sim de uma conferência que contou com a presença de três dos protagonistas que puseram fim à Ditadura em Portugal – Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço e Martins Guerreiro.
O Cine-Teatro Louletano foi pequeno para receber todos aqueles que quiseram ouvir estes Militares de Abril falar sobre este momento marcante da História Portuguesa mas também do período atual do país, numa conferência/debate moderado pelo Reitor da Universidade do Algarve, António Branco.
Com posições diferentes quanto ao rumo dos acontecimentos no processo revolucionário, os três convidados foram unânimes ao abordar o presente e a necessidade de haver uma capacidade interventiva do povo. “É necessário um novo 25 de Abril mas os Militares de Abril já não têm condições para o fazer. Tem de ser o povo a fazê-lo”, referiu Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril.
Descontente com o rumo que o país tomou, Otelo Saraiva de Carvalho disse que “perdeu-se uma ocasião histórica para alterar o regime político em que vivemos”. Para este militar, “a forte pressão que os Estados Unidos e o mundo ocidental exerceram”, com a ameaça de boicote económico, caso a revolução socialista prosseguisse, levou a este regime. “Um regime que não serve pois não vejo capacidade interventiva do povo”, afirmou este militar, sublinhando que “durante o PREC o povo tinha poder, havia inteligência e dinamismo mostrado no terreno pelos trabalhadores, esperança em enveredar por outro caminho político, o da democracia participativa”. Como referiu este orador, na altura foi mesmo apresentado um documento guia para a aliança Povo-MFA, que seria rejeitado pelos partidos.
Otelo Saraiva de Carvalho culpa o “capitalismo internacional” de ter levado ao fim da Revolução, a 25 de Novembro.
Em tom mais moderado, Vasco Lourenço, “um apaixonado pelo 25 de Abril” como o próprio confessou, corroborou com algumas das ideias do seu companheiro: “Perdemos uma grande oportunidade de conjugar a democracia representativa com a democracia direta das organizações de base que estão no terreno mas as forças existentes impossibilitaram que essa realidade fosse concretizada”, considerou. Por outro lado, culpa os partidos políticos pelo estado a que o país chegou já que estes “boicotaram essa ligação, pois queriam apenas uma democracia representativa”. No entanto, ao contrário de Otelo, o presidente da Associação 25 de Abril acredita que, se não tivesse havido o 25 de Novembro, o país teria caído numa ditadura.
Apesar de algum desapontamento quanto ao panorama atual, Vasco Lourenço acha “inconcebível” todos aqueles que acham que Portugal estava melhor antes do 25 de Abril. “Apesar de estarmos mal, estamos claramente melhor do que antes do 25 de abril”, realçou.
Face às injustiças sociais foi perentório ao afirmar: “Temos que ser capazes de voltar a uma prática solidária, fraterna e recuperar os valores de Abril”.
Já Martins Guerreiro enalteceu a iniciativa promovida pela Câmara de Loulé, ao contrário do que está a ser feito pelos órgãos de soberania. “Este poder envergonha-se do 25 de Abril. É muito significativo o que Loulé está a fazer a partir de baixo. A força do poder local e da democracia de base é extremamente importante”, frisou.
Quanto aos valores de Abril, disse ser fundamental saber transmiti-los e obrigar os nossos representantes a cumpri-los”.
Este militar falou das diferenças do país de hoje relativamente ao de há 40 anos atrás em termos de progresso, educação, etc., mas frisou a “situação grave, o empobrecimento e o retrocesso ao nível da emigração a que assistimos hoje”.
Se durante a Ditadura Portugal viveu uma “guerra de armas”, para este militar hoje há uma “guerra financeira. “O elemento de subjugação que hoje esmaga a classe média é a dívida. Os portugueses devem juntar esforços para combater o capital financeiro especulativo. Este poder financeiro não é democrático e é necessário controlar democraticamente as instituições desse poder”, considerou, acrescentando que “o povo português tem que tomar o seu destino nas mãos e afirmar que tem tanta dignidade como os outros”.
Os militares falaram ainda da tentativa de golpe do 16 de março, que não vingaria, mas que foi um importante momento para a caminhada para os acontecimentos do 25 de Abril de 1974
Já o autarca louletano saudou “todos os militares que, num ato de rebeldia e muita coragem, ousaram, e puseram termo, a um longo ciclo político de opressão e restrição de liberdades e direitos dos portugueses”.
Vítor Aleixo relembrou a vivência por parte dos louletanos aos desenrolar da Revolução. “A nossa comunidade acompanhou, desde o primeiro momento, a causa heroica do Movimento das Forças Armadas, partilhando e vivendo as suas angústias e vicissitudes de um percurso difícil e conturbado na luta pela liberdade”, referiu o edil.
O presidente da Câmara de Loulé considerou ser necessário que as celebrações do 25 de Abril se realizem “de forma marcante” todos os anos, mas também “de forma descentralizada e inovadora”, numa aproximação às gerações mais jovens.
Nesse sentido, adiantou que a Autarquia de Loulé fará todos os esforços para que nas escolas do Concelho os jovens possam receber o máximo de informação e formação, perpetuando as memórias desta data.
Vítor Aleixo falou ainda “dos novos perigos e velhas ameaças” perante a crise profunda. “A Democracia não nos foi dada para sempre. É um bem frágil e precisa que a defendamos todos os dias. Para isso, é fundamental continuarmos a trilhar o caminho que o 25 de Abril nos abriu”, afirmou este responsável.
Carlos Albino, presidente da Comissão Concelhia das Comemorações dos 40 Anos do 25 de Abril no Concelho de Loulé, falou deste propgrama como “um projeto de cidadania e um contributo para que os valores de Abril se imnstalem nos nossos afetos, alma, razão de ser e pensar”.
Reportando-se às iniciativas que irão decorrer até ao final do ano, nas cidades, vilas e aldeias do Concelho, do Ameixial a Quarteira, Carlos Albino adiantou “Abril deixará de ser apenas um mês”, sublinhando o envolvimento das escolas, universidades e associações “neste desafio para todos os louletanos”.
Assim, já está confirmada a presença de três ex-Presidentes da República em Loulé, para conferências que terão lugar no Cine-Teatro Louletano: Mário Soares (maio), Ramalho Eanes (junho) e Jorge Sampaio (julho).
Estão igualmente previstos grandes debates com a presença antigos presidentes da Câmara Municipal de Loulé, bem como deputados eleitos de Loulé.
No dia 25 de abril, pelas 21h00, será apresentado no Cine-Teatro Louletano o filme “A Hora da Liberdade”, um documentário ficcionado que retrata os diversos acontecimentos que pautaram o golpe militar que levou à queda da Ditadura.