Sociedade

O amor não tem idade, mas tem (sempre) de ser partilhado!

 
Incomoda-me muito ouvir as pessoas dizerem que dão algo sem receber nada em troca, que fizeram muito e nunca conseguiram receber igual, que amam e não conseguem ser correspondidas e que sofrem muito por causa daquela pessoa que não lhes liga. Este meu incómodo resulta da base de que, retribuímos aquilo que plantamos em tudo e com toda a gente, logo se alguém não nos retribui é porque não tem interesse e temos de respeitar e seguir em frente à espera de encontrar alguém mais disponível.

 
A minha tese fundamenta-se na ideia de que qualquer pessoa dá algo com o intuito de receber algo em troca. Entregamos afeto contanto que o outro nos retribua esse gesto, damos um presente em troca de um simples “obrigado”, fazemos uma boa ação para ver o brilho nos olhos de alguém. O que fazemos é dar um pouco de nós à espera que o outro saia do seu mundo e nos dê qualquer coisa em troca, a diferença é que nem sempre estamos à espera daquilo que nos é devolvido, tal como é verdade que há pessoas tão fechadas em si mesmas que nada sentem com os nossos gestos. Para essas também existe uma solução: é não lhes dar nada, uma vez que nada têm para partilhar. Para as outras, temos de ter a sensibilidade para analisar aquilo que nos devolveram. Nem sempre as pessoas nos dão a mesma medida daquilo que damos num determinado momento, mas fazem-no na situação a seguir; retribuem de outra forma, com outro tipo de atitude.
 
Penso que isto é que torna as relações humanas ricas e interessantes. Saber que o nosso desejo de dar se acrescenta com o alimento do outro. Quando esse alimento não existe, perdemos a nossa capacidade de dar algo àquela pessoa. Na realidade, não temos de carregar maus sentimentos dentro de nós, basta-nos aceitar que nem todas as pessoas estão disponíveis para nós, muito menos ao mesmo tempo. Não temos de dar insistentemente à espera que o outro acorde e desperte para nós, uma vez que isso nos coloca numa submissão e dependência difícil de suportar e ainda mais nos corta o prazer de dar algo a alguém. O que temos a fazer é dar o primeiro passo e ver o resultado da nossa ação. Se o outro devolver algo que nos motive para continuar, prosseguimos, caso contrário, aceitamos a sua indiferença e concentramo-nos noutro alvo.
 
Penso que se compreendermos as relações com esta simplicidade, não nos humilhamos, não perdemos tempo, energia e, acima de tudo, reunimo-nos com pessoas que estão em linha connosco e de boa fé.
 
Esta base estende-se a todas as relações humanas. Um funcionário que dá o seu melhor a uma empresa e o chefe não é capaz de lhe reconhecer esse empenho e valor, deve ponderar a sua saída para um local onde possa ser mais reconhecido. Não temos de suportar relações de maus-tratos de qualquer espécie. Temos autoestima, temos valor, temos o nosso empenho e conhecimento. Somos pessoas, não somos objetos. Não podemos ser tratados dessa forma desprezível.
 
O mesmo se passa num namoro ou num casamento. Temos de ser lúcidos e exigentes com as pessoas a quem damos o nosso amor. O nosso tempo, afeto e atenção são de tal forma preciosos que não se podem perder com quem não nos dá algo equivalente em troca. Eu dou o meu amor a quem mo alimenta e ponto final. Nas amizades passa-se exatamente a mesma coisa. Dou amizade a quem a merece, não perco tempo e energia com quem goza com os meus sentimentos. Temos de ter esta coragem de gostar muito de nós a ponto de não nos sujeitarmos a qualquer tipo de uso e de abuso. Se pensarmos tanto quanto sentimos, vamos ver que o amor se baseia na inteligência e nos sentimentos e que, essa fusão dá lugar a uma inteligência amorosa e a uma intuição particular. Se sentimos que alguém só recebe aquilo que lhe damos e que não dá nada em troca, nem vale a pena insistir, pois a pessoa não está em linha connosco.
 
Acredito que o amor partilhado é a melhor forma de nos relacionarmos com os outros para sermos mais seguros e confiantes, já que é fácil saber se o outro gosta de nós a partir das suas ações. Não nos podemos esquecer que, numa relação é tão importante o que a pessoa nos diz como aquilo que faz. Se houver coerência entre estas duas partes, a relação avança num bom sentido, se a pessoa diz uma coisa e faz outra isso deve constituir um motivo de alerta para não darmos demais.
 
Longe vão os tempos em que o amor tinha de ser sofrido, em que a mulher dava tudo em troca do desprezo do marido, em que o parceiro se refugiava na bebida e no futebol com os amigos para não discutirem, para não estarem em casa juntos… Se pensarmos bem, isto é amor? Claro que não, esta é uma forma de não estar sozinho na vida e de não abrir a porta a uma pessoa compatível connosco e capaz de nos corresponder afetivamente. Sem partilha não há amor, sem alimento a relação não cresce. Se deixarmos o nosso casamento à mercê dos amigos e das opiniões dos outros sem alimentarmos quem amamos, em poucos meses não temos uma relação, mas várias relações com todas as pessoas que nos aconselham e, quando damos por nós, o amor inicial desapareceu.
 
Sugiro que, uma vez sentido aquele sentimento muito especial, que se alimente de parte a parte, que tenhamos a certeza se estamos apaixonados por nós ou pela outra pessoa, pois isso também acontece; ficamos tão felizes por ter interesse em alguém que aumentamos a nossa autoestima e pensamos que amamos perdidamente alguém quando, no fundo, estamos é muito bem connosco próprios. Dê tempo a si mesmo, à sua relação, aos encontros, aos programas a dois e repare nos pequenos detalhes. É sempre você a pagar o jantar? Pondere muito bem se essa pessoa está mesmo interessada em si ou no seu dinheiro. Só se preocupa em estar consigo e com os amigos? Verifique se é mesmo em si que a pessoa está de olho. Tenha coragem de fazer estas perguntas antes de se entregar perdidamente a uma relação. Analise de fora e entre aos poucos. Coloque pé ante pé á medida em que o outro lhe devolve o que está a dar. Assim, terá sempre relações baseadas na verdade e nos sentimentos verdadeiros construídos em comum. Não arrisque dar passos à frente, pois corre o risco de não ser acompanhado.
 
Alguém dizia: Não caminhes à minha frente posso não seguir-te, não caminhes atrás de mim, posso não saber guiar-te. Caminha ao meu lado e ama-me como eu te amo!
 
Fátima Fernandes