A infidelidade no feminino, com contornos que se vão desvendando de uma forma mais sigilosa, não deixam de marcar a atualidade e fazer um convite à reflexão, pois afinal quando se assume o compromisso do casamento, não seria suposto que o mesmo fosse para ambos os parceiros?
A questão parece tão óbvia que poderia colocar ambos os géneros à fala sobre o assunto, defendem os especialistas, mas a realidade demonstra que “a necessidade de estar em pé de igualdade com o comportamento assumido por muitos homens durante séculos, tem feito desviar as atenções do tema central e dado sentido a novas descobertas extraconjugais”.
Na posição de muitos sexólogos, “parece existir um sentimento de vingança e de necessidade de ‘fazer o mesmo que os homens fazem’, o que nos coloca perante mais um conjunto de dúvidas”.
Para algumas mulheres, a questão da infidelidade tornou-se tão banal como para os homens, ainda que os seus pressupostos sejam diferentes.
Enquanto que os homens afirmam que são ou já foram infiéis devido a impulsos de momento, a desejos motivados pelas mais variadas situações e a uma dificuldade em controlar uma sedução, as mulheres confessam que, “ao invés de falarem com o companheiro acerca dos problemas, optam por procurar a satisfação de fantasias através de uma aventura fora do casamento”.
Muitas inquiridas em trabalhos de investigação acerca do assunto assumem que, “tal como o homem opta por não se divorciar e por fazer uma vida paralela ao casamento, também elas se sentem nesse direito de não assumir perante a sociedade, a família e, sobretudo os filhos, que o casamento não resulta”.
Algumas inquiridas dizem não se sentir culpadas com a situação, “uma vez que a encaram com naturalidade e que, em muitos casos, seriam punidas pela sociedade se dissessem que têm desejos sexuais que o marido não consegue satisfazer” ou que não conseguem ter interesse pelo pai dos seus filhos”.
Arrastar um casamento de “fachada” parece ser a opção de algumas mulheres que “não se esforçam por dialogar com quem parece estar demasiado concentrado na sua vida, nos seus objetivos, nos amigos e nos seus planos profissionais”.
Sem “apontar o dedo” à opção de cada um, vale a pena pensar no quão seria mais fácil assumir a realidade e procurar uma vida com outra pessoa, mas as inquiridas afirmam que “se o homem consegue manter uma vida à parte durante anos para evitar o confronto com um casamento que, afinal não era de sonho e que se tornou num pesadelo, por que não as mulheres se colocarem em igualdade de direitos?”
Para os especialistas a questão é antiga e coloca “em maus lençóis” ambas as partes, já que, com a evolução dos tempos é suposto que as pessoas se sintam livres para casar, para decidir a parentalidade e um projeto de vida familiar. “Nos nossos dias, não existe na sociedade ocidental, a imposição do casamento, muito menos a escolha dos parceiros, mas parece que as marcas do passado continuam enraizadas nas nossas mentalidades e sem dar espaço a um novo paradigma. Se partimos da vingança para um pretexto e desculpa, dificilmente vamos encontrar um novo caminho conjugal”.
Neste ponto as entrevistadas clarificam que “nem sempre o parceiro se mostra disponível para conversar acerca de temas delicados como o prazer feminino, os desejos da mulher, a necessidade de fazer um elogio, um momento romântico e daí por diante”.
Apesar de tudo, a infidelidade feminina ainda não é encarada e aceite de forma positiva pela maioria das pessoas, razão pela qual, a mulher continua a ser apontada como a responsável pelo sucesso ou fracasso de uma relação, pela capacidade de perdoar a traição do marido para “salvar o casamento”, ter de zelar pelo futuro dos filhos muitas vezes sem um marido presente, ter de “fazer de conta que está tudo bem, quando dormem em camas separadas, quando não existe interesse um pelo outro ou vontade de construir o que quer que seja com aquela pessoa.
Talvez o facto de as mulheres apresentarem outros motivos para a traição as coloque numa posição mais “desconfortável”, pois a sociedade parece ter mais capacidade de aceitar “a aventura fácil” do homem que se envolveu com a colega do que a necessidade de uma mulher se sentir desejada por alguém quando o marido não lhe mostra qualquer interesse.
Depois, o sexo e o prazer ainda são, em muitas famílias, um direito masculino, o que convida as mulheres a traírem pela procura dessa satisfação quando não poderiam dizer que as suas relações sexuais não são gratificantes. Na realidade, todos parecem ter os seus motivos para fugir do compromisso do casamento.
Em França por exemplo, o site de infidelidades femininas, cuja publicidade percorreu as ruas do país, foi alvo de críticas por parte das famílias cristãs francesas que se manifestaram totalmente contra a ideia de uma mulher se inscrever numa rede social à procura de uma relação extraconjugal. No nosso país, as conversas de café são o que melhor demonstra a posição da sociedade face à traição feminina.
Perante a realidade, as inquiridas afirmam que por isso mantêm a relação paralela “no segredo dos deuses”, pois “desfrutam sem a crítica social”.
Apesar de não existirem dados concretos acerca do número de separações provocadas pela infidelidade feminina, sabe-se que, são mais as mulheres que aceitam manter um casamento quando o marido as traiu do que ao contrário e que, são mesmo raros os casos de homens que aceitam ter sido traídos. “Mesmo que muitos homens compreendessem o sucedido e até aceitassem a situação dando um novo sentido ao casamento, a sociedade não lhes perdoaria a falta de coragem para reagir e forçar a separação”, afirmam as mulheres envolvidas no estudo.
Para que se compreenda o que leva uma mulher a trair um homem, os sexólogos envolvidos neste trabalho listaram as principais queixas femininas face ao casamento:
-Independência financeira e a necessidade de ter um reconhecimento dentro de casa;
-Necessidade de viver com uma pessoa que as elogie, estime e reconheça inteligência e demais qualidades;
-Desejo sexual não satisfeito com o parceiro;
-Dificuldades em conversar, discutir acerca dos problemas quotidianos e necessidades da família;
-Desejo de se sentirem desejadas por um homem;
-Necessidade de fugir à rotina;
-Vingança pelas traições vividas nessa ou noutra relação;
-Desejo de emancipação feminina;
-Mostrar que estão em pé de igualdade com os homens;
-Falta de amor pelo companheiro;
-Necessidade de alterar os planos de vida.
Para os especialistas, o problema central inclui o facto de a mulher ter construído uma imagem negativa de si própria que agora quer ver alterada rapidamente. “A mulher ainda continua a encarar-se como vítima e, a partir dessa sensação, consegue argumentos para quase tudo”.
Neste tempo atual, a mulher não é vítima de nada a não ser daquilo que aceita sem reagir, pelo que, o caminho da traição, não será certamente o mais positivo para essa conquista de igualdade de direitos. “Fazer melhor é sempre o ponto de partida para a mudança. Não é repetindo um erro que se avança no tempo e nas mentalidades”, realça Mirian Goldenberg.
De acordo com o livro Por que homens e mulheres traem? da antropóloga Mirian Goldenberg, a mulher consegue separar muito bem o papel do marido e do amante, razão pela qual a infidelidade feminina parece conhecer novos contornos. As mulheres queixam-se de não serem incluídas em matérias que envolvam o sexo, o desejo, a atração, o carinho, o reconhecimento ou a beleza, já que a rotina do casamento parece ultrapassar esses aspetos que deveriam alimentar o amor e a convivência a dois.
A mesma autora realça que, a mulher quer sentir-se viva, atraente, bonita e desejada e que, “muitos homens estão distantes desses interesses e de uma nova realidade feminina”.
Fátima Fernandes