Sociedade

Opinião: Aeroporto Internacional de Faro - Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a única designação que honra os portugueses

 
Enquanto cidadão, autarca farense e piloto aviador com mais de 500 aterragens feitas neste maravilhoso aeroporto, tenho a obrigação de recentrar a polémica da renomeação desta importante estrutura internacional em Faro, revisitando a história que deve permanecer viva, sobretudo pelas razões de fundo, que tornaram famosos estes dois heróis portugueses.

Gago Coutinho e Sacadura Cabral protagonizaram o maior feito mundial da navegação aérea. Não o teriam conseguido um sem o outro e o conhecimento da história sempre prestou tributo a ambos.
 
Sacadura Cabral não era apenas o piloto contratado para naquele dia levar o avião, mas antes pelo contrário, teve um papel preponderante no projeto que ambos idealizaram e levaram a cabo com o risco das próprias vidas. Ambos são indissociáveis do feito alcançado e não seria justo se por puro “bairrismo” se dissociasse o nome do piloto, desta epopeia lusitana.
 
Ninguém escolhe o lugar onde nasce, pelo que não se deve atribuir apenas o nome de Gago Coutinho, ao aeroporto, no pressuposto deste ser algarvio, o que de resto por análise documental não se confirma.
 
Documentos vários, tais como a certidão de batismo, arquivos da marinha, o mapa da inspeção, bem como a lápide postada ainda em sua vida na casa onde nasceu, atestam que Gago Coutinho nasceu em Lisboa, na Freguesia de Santa Maria. Por proposta de alguns municípios algarvios, foi aprovada pelo governo a designação de “Aeroporto Gago Coutinho”. Porém, esse procedimento governamental deve ser revisto e alterado, porque ambos os aeronautas tiveram o mesmo mérito pelo que fizeram, usando a bandeira Portuguesa e a favor da Humanidade. Dissociar o nome de Faro da designação do nosso aeroporto, é abrir caminho, para que qualquer cidade próxima no país vizinho, venha no plano do marketing, a associar o seu nome ao aeroporto português, capitalizando a seu favor o património que representa ter um Aeroporto Internacional na Capital do Algarve.
 
A afirmação de Portugal no mundo faz-se também pelas evidências dos contributos que os portugueses têm dado para o desenvolvimento global, em especial pelas descobertas que têm trazido inovação em qualquer área da arte, da ciência ou da tecnologia, com reflexo na melhoria da vida das pessoas. Relembrar esses factos da nossa história é assumir uma identidade nacional de vanguarda, prestar tributo aos portugueses que protagonizaram feitos de relevo internacional e, sobretudo, valorizar a autoestima coletiva de um povo, que tal como no passado, terá seguramente um elevado contributo a dar na construção de um mundo melhor desenvolvido, solidariamente organizado e ecologicamente sustentável.
 
Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram dois portugueses que cumpriram com rigor e elevação os princípios anteriormente enunciados e, por essa circunstância, o país e o futuro devem-lhes esse reconhecimento. 
 
Em 1921, Sacadura Cabral, um Beirão (piloto-aviador e oficial da Marinha de Guerra Portuguesa), desafiou o seu antigo chefe e amigo de Lisboa, Gago Coutinho (geógrafo, historiador, navegador e oficial da Marinha de Guerra Portuguesa), para, aproveitando a ocasião do primeiro centenário da independência do Brasil a 7 de setembro de 1922, fazerem a primeira travessia do Atlântico Sul, sem o auxílio das referências visuais de navios espalhados entre os dois continentes, tal como aconteceu na primeira travessia do Atlântico Norte.
 
Para tanto, Gago Coutinho acelerou o desenvolvimento do seu projeto para dotar um sextante de um horizonte artificial e, assim, poderem navegar com rigor, quando o horizonte natural não estava visível, fazendo a medição da altura dos astros em relação ao horizonte artificial, o que garantia a possibilidade de navegar com reduzida visibilidade e até de noite, sem necessidade de referências visuais fixas como até então acontecia. Ao problema dos desvios à rota provocados pela orientação e intensidade do vento, responderam desenvolvendo em conjunto um corretor de rumos, que acoplaram ao sextante tradicional, que agora ganhava a designação de astrolábio de precisão, devido às inovações que lhe foram introduzidas.
 
Em 1921, foi feito um voo entre Lisboa e o Funchal para testar a capacidade do astrolábio para permitir uma navegação de precisão sem necessidade de referências visuais. Esse ensaio foi coroado de sucesso e estava aberta a possibilidade dos portugueses virem a fazer história com a travessia aérea do Atlântico Sul.
 
No dia 30 de março do ano de 1922, a bordo de um hidroavião monomotor, o Lusitânia, partiram do rio Tejo os aeronautas portugueses para a grande aventura Lusitana e, nesse mesmo dia, foram amarar em Las Palmas nas Ilhas Canárias. Aí permaneceram para manutenção da aeronave e, no dia 5 de abril, descolaram em direção a Cabo Verde onde voltam a amarar com sucesso ao largo da Ilha de Santiago. Aqui, os trabalhos de reparação e manutenção da aeronave foram mais demorados, pois esperava-os a grande prova de fogo que era navegar rumo ao arquipélago de São Pedro e São Paulo a uma distância de mais de 1700 km. A razão desta escala era a falta de autonomia para voar até à ilha brasileira de Fernando Noronha sem que a aeronave fosse reabastecida.
 
Partiram então a 17 de abril para um voo superior a 11 horas, onde um cruzeiro português os aguardava para reabastecimento junto aos referidos rochedos, perdidos na imensidão do Oceano Atlântico. A amaragem não correu como esperado, as enormes ondas daquele mar revolto arrancaram um dos flutuadores e os aeronautas acabaram por ser resgatados pelo navio que os aguardava. A aeronave perdeu-se, mas, logo ali, os navegadores comemoraram, dado que acabara de acontecer o maior feito aeronáutico desde que os irmãos Wright voaram pela primeira vez. Este feito é hoje recordado como o maior feito aeronáutico português de sempre. Estes homens tinham acabado de revolucionar completamente a navegação aeronáutica mundial e abriram, assim, caminho para as linhas aéreas intercontinentais que até então eram impossíveis de realizar, por falta de rigor na navegação. 
 
O astrolábio de precisão e o corretor de rumos representaram um passo científico e tecnológico mais marcante que o moderno sistema de GPS dos nossos dias e tanto a sua conceção como a demonstração de tão importante descoberta foram protagonizadas por estes dois portugueses. Como curiosidade, diga-se que a primeira volta aérea ao mundo, em 1929, feita pelo capitão Whitman a bordo do Graf Zeppelin, realizou-se usando o astrolábio de precisão e corretor de rumos desenvolvido por estes dois portugueses.
 
Pelo relevo deste feito, o governo português de então enviou um segundo avião batizado como Pátria, que pouco durou, em virtude de ter tido uma falha de motor que o obrigou amarar de novo quando retomavam o voo, sobrevoando de novo os penedos de São Pedro e São Paulo. O governo português enviou um terceiro hidroavião batizado de Santa Cruz, para que o voo e a epopeia portuguesa chegassem a bom termo e coroassem o maior feito aeronáutico português de sempre com a entrada destes dois portugueses para a galeria dos Imortais da história mundial. Com sucesso, voaram sucessivamente para a ilha de Fernando de Noronha, Recife, Salvador da Bahia, Porto Seguro, Vitória e Rio de Janeiro, onde deram por encerrada a 17 de junho de 1922, a mais brilhante página da navegação aérea mundial.
 
Eu, Francisco Manuel Mateus Domingos Conde Soares, entendo que nunca é tarde para corrigirmos decisões importantes e proponho que no ano de 2022 (ano do primeiro centenário da travessia aérea do Atlântico Sul e do segundo centenário da independência do Brasil), se atribua ao Aeroporto de Faro, a designação de Aeroporto Internacional de Faro - Gago Coutinho e Sacadura Cabral, como tributo ao feito e aos homens.
 
Francisco Soares - Piloto Aviador