Sociedade

Portugal “usa e abusa” dos títulos académicos

 
É muito comum a utilização de títulos académicos, mesmo em situações em que assim não se justifica.

O nosso país é amplamente conhecido por essa tradição, de tal forma que, mesmo em momentos descontraídos e fora dos locais onde se exerce a profissão de “Dr. ou Eng.º” se mantém a tendência para usar os títulos académicos.
 
O uso de títulos (Dr., Eng.º) é certamente mais praticado em algumas organizações do que noutras mas, na comparação com outros países da União Europeia (UE), os portugueses são pródigos no uso de títulos. É aliás frequente, nas situações em que se conhece menos bem o interlocutor, colocar um cauteloso Dr. antes do nome. Na dúvida, antes a mais que a menos.
 
Uma das explicações para este facto passa pela necessidade de criar um afastamento hierárquico. Naturalmente a utilização do título académico confere essa imagem de distância, criando um afastamento entre superior hierárquico e subordinado.
 
A distância hierárquica reflete o grau de deferência que os indivíduos projetam sobre os seus superiores hierárquicos, assim como a necessidade de manter e respeitar um certo afastamento (social) entre um líder e os seus subordinados.
 
Esta “marca” é de tal forma evidente que, é praticamente impossível deixar de cumprimentar o chefe na rua sem o recurso ao seu título académico. Casos raros são pois, aqueles em que se designa por “Sr. ou Sra.”, mesmo que, o encontro ocorra fora do gabinete ou do consultório.
 
Tornou-se recorrente e “já parece falta de respeito” não tratar o médico por Doutor até nas redes sociais! O mesmo acontece com o Sr. Eng.º que o passa a ser nas mais variadas situações.
 
Por norma, é nos países de maior distância entre superiores e subordinados que se verifica uma maior utilização dos “Drs”. Exemplos disso são Portugal, Espanha, América Latina, Ásia e África.
 
Os líderes destacam-se por natureza e criam uma elevada desigualdade face aos demais.
 
Deteta-se uma grande reverência pelas figuras de autoridade, e atribui-se grande importância aos títulos e ao status.
 
Ao contrário, em países com baixa distância hierárquica como é o caso dos EUA, Grã-Bretanha e países não latinos da Europa, a dependência dos subordinados relativamente aos chefes é limitada.
 
Os primeiros não sentem desconforto considerável por contradizer os segundos. Uns e outros consideram-se iguais por natureza.
 
Nos países com distância hierárquica tendencialmente mais elevada, o uso de símbolos de status representa portanto uma forma de explicitar e de assinalar o reconhecimento das distâncias entre pessoas pertencentes a diferentes escalões sociais ou organizacionais.
 
A distância tende a aumentar a dificuldade de comunicação franca entre líder e equipa.  Não é de admirar que, no nosso país exista um “medo aterrador” de enfrentar um chefe, de contrariar uma posição ou de simplesmente explicar a nossa opinião. Estes aspetos podem, de alguma forma, condicionar a produtividade, a qualidade do desempenho, na medida em que, na base do medo ninguém é livre para criar e para mostrar potencialidades.
 
Ao mesmo tempo, esta ideia de distância entre chefes e subordinados tem-se estendido às mais variadas relações, sendo comum esta forma de tratamento entre amigos ou mesmo em locais fora do trabalho, tal é a “obediência!”
 
Há pessoas que se sentem tão inferiorizadas socialmente que, precisam de recorrer a esses títulos para se sentirem próximas de “alguém importante”, o que não deixa de ser também muito curioso.
 
Fátima Fernandes