Os números não deixam margem para dúvidas, o nosso país em 2013, voltou a registar uma quebra recorde em termos de natalidade: nasceram apenas 82.538 crianças, muitas das quais permanecerão como “filhos únicos” e provavelmente super protegidos.
Esta é uma questão que está a preocupar os profissionais nas mais variadas áreas, uma vez que, a sociedade se projecta no futuro e não no passado e no presente e, é fácil antecipar alguns acontecimentos tendo por base a informação recolhida de outras realidades e analisando a forma como o filho único é educado em muitas famílias.
A maior preocupação surge por parte das entidades empregadoras que temem a relação com adultos que foram criados como “príncipes” e que não são capazes de aceitar uma recusa, uma crítica ou algo negativo que lhes possa ferir o ego.
Para os especialistas, o problema incide na necessidade de educar para a tónica de “aprender caindo”, sob pena de se caminhar para uma geração de adultos com dificuldade em gerir adversidades”, diz Paulo Pimenta.
Segundo os dados do Instituto Nacional Doutor Ricardo Jorge, em 2013, nasceram 82.538 crianças, menos 7303 do que no ano anterior.
Em 2012 o país já tinha registado um saldo natural negativo sem precedentes, com menos 17.757 nascimentos do que mortes.
Quanto aos óbitos de 2013, o Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda não disponibilizou números totais, mas, entre Janeiro e Outubro do ano passado, os números evidenciavam já um saldo natural negativo de 18.232 pessoas.
Estes dados traduzem uma realidade já bem conhecida de todos, pois os portugueses têm menos filhos, o país deixou de garantir a substituição das gerações e, a população envelhece a olhos vistos.
Se esta é uma preocupação, não menos será a super protecção das crianças, sobretudo dos filhos únicos, e a sua consequente impreparação para o mundo real quando chegam a adultos.
“Quando estes miúdos chegam ao mercado de trabalho (…), exigem tarefas bem definidas e um constante feedback (…). E é muito difícil dar-lhes um feedback negativo sem esmagar os seus egos”, lamenta-se o empresário e escritor norte-americano Bruce Tulgan, autor do livro Not Everyone Gets a Trophy, citado num artigo da revista norte-americana The Atlantic.
Na mesma publicação, não faltam patrões a denunciar as dificuldades em empregar jovens com pouco mais de 20 anos de idade. “Eles precisam que tudo seja soletrado e exigem ser levados ao colo”, aponta um.
O mesmo artigo destaca como causas para esta realidade, a forma como estes jovens foram educados; o resultado de terem crescido sempre com alguém os pais, mas também professores a monitorizar todos os aspectos da sua vida e de terem crescido como pequenos príncipes.
Os investigadores sublinham a importância de vislumbrar este problema, uma vez que, mais cedo ou mais tarde, Portugal terá de o enfrentar e responder a mais um desafio complexo, uma vez que, o país chegou mais tarde ao problema demográfico, mas dele não poderá escapar.
O facto de se casar cada vez mais tarde, da opção pela maternidade através do uso de contracetivos tem dado lugar, aos poucos, à diminuição da natalidade que coincidiu com a crise que não deixou margem para um aumento dos agregados familiares, bem como a um factor que não pode ser descurado que, consiste nas exigências dos pais na sociedade actual e no medo de não estar à altura para corresponder e fazer sacrifícios elevados pelos filhos quando não se sabe como educar ou não se tem tempo.
Também a instabilidade profissional e a maior facilidade nas separações entre os casais, tem contribuído negativamente para a quebra da natalidade.
Como consequência de todos estes factores, assistimos a uma geração do “Quero, posso e mando” que, ao ser criada praticamente por adultos, acaba por não saber dividir as atenções com outras crianças e por se julgar no centro do mundo.
Por outro lado, o facto de se ter só um filho pode causar insatisfação por parte da criança que se vê sufocada com toda a concentração e expectativas sobre os seus actos e o seu futuro.
Para além de se sentirem o alvo de todas as atenções, estas crianças acabam por se sentir com responsabilidades que ultrapassam os seus limites e capacidades, já que têm de corresponder aos desejos dos pais e demais familiares.
Por outro lado, também há uma concentração dos bens materiais, o que pode levar a estimular na criança a parte narcísica e omnipotente do ‘quero, posso e mando’ ou do ‘quero tudo, já, porque eu sou eu e tenho direito a tudo’, que mais tarde causará graves problemas, não só à pessoa em causa, mas aos que a rodearem”, alerta o pediatra Mário Cordeiro.
É de salientar no entanto que, é possível educar um filho único para outros valores, sendo fundamental ter-se consciência dos perigos de não criar regras, de não exigir esforço desse filho e de saber dizer “não” no momento certo.
Para Mário Cordeiro tudo depende “do modelo educativo e dos exemplos parentais e das figuras de referência”.
Para Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em declarações ao Público, “o problema incide assim na pressão que se criou em torno da parentalidade e do lugar da criança na família. Assistimos a uma idealização da criança que não existia no passado, em que os filhos vinham como vinham e eram quem eram.”
Salientando que, “Hoje, estamos muito menos expostos à infância, ou seja, vive-se com muito menos crianças à volta. E as que existem vivem em quotidianos de quase Big Brother, sempre debaixo do olhar de adultos quase escolhidos a dedo e quase sem espaço para uma brincadeira que não seja formatada pelos adultos e controlada pelos adultos”.
Nesta sequência, existe quase como que uma recusa de possibilitar à criança a sua própria aprendizagem; a oportunidade de aprender a partir dos seus erros e quedas.
Um outro ponto que, merece um olhar atento dos investigadores é o medo dos pais em assumir a parentalidade, isto porque existe uma enorme pressão sobre o que é educar, como educar, como evitar os erros e daí por diante. Esta pressão, segundo os especialistas, é de tal forma que, muitos casais assumem não estar preparados para o desafio e que preferem não arriscar.
Recorde-se que, no passado, cabia ás gerações anteriores ensinar a educar e, o processo fazia-se com base na tentativa e erro, os irmãos ajudavam, os primos brincavam entre si e, as relações de vizinhança facilitavam o processo num ambiente familiar de salutar convívio e aprendizagem.
Nos nossos dias, a pressão das creches e escolas, as críticas de vizinhos e familiares que desejam o ser quase perfeito não deixam margem para o erro, para a aprendizagem saudável. A criança tem de cumprir as etapas na idade devida e não de acordo com o seu desenvolvimento e potencialidades, sob pena de rapidamente “ser posta de lado”, mesmo pelos profissionais de ensino.
As crianças brincam com outras “compatíveis”, não podendo quase contactar com vizinhos e familiares, andam de carro, não brincam na rua, têm de assumir comportamentos correctos nas escolas, o que dá lugar a uma idealização complexa do ser humano e que nos afasta daquilo que só se aprende através das próprias conquistas.
Quer isto dizer que, para além das razões financeiras, um primeiro filho já é difícil acontecer e, ainda mais um segundo devido ao medo de falhar; de não ser capaz de conciliar duas crianças, de educar respeitando as diferenças de dois seres oriundos de um mesmo casal, a que se acrescenta o factor idade.
Sem querer assumir-se como “profeta da desgraça”, Mário Cordeiro lembra que o preço a pagar pode ser mais elevado do que se pensa. “Temos a obrigação de exigir políticas concertadas, maior atenção à infância e uma perspectiva desta não apenas na actualidade e no presente, mas projectando-a no futuro. Foi o que fizeram os países mais evoluídos, como os nórdicos, na sequência da II Grande Guerra e da fragmentação do tecido social que esta causou.”
Pensar hoje no que poderá ser o filho único, evita reproduzir os erros de outras culturas e melhorar a forma como se assume a parentalidade. Não havendo possibilidade de ter um segundo filho, deve-se acautelar os perigos de educar uma criança com base em moldes negativos que só a vão expor ao sofrimento mais tarde.