Sociedade

Teatro do Eléctrico regressa a Loulé com espetáculo sem texto mas com audiodescrição

Fotos|D.R (Alípio Padilha)
Fotos|D.R (Alípio Padilha)  
O espetáculo "Hamster Clown", criação de Ricardo Neves-Neves e Rui Paixão estará no Cineteatro Louletano, através do Teatro do Eléctrico a 16, 17 e 18 de julho às 21h00. Seguirá depois para Ovar, Odivelas, Braga e Ílhavo.

A sessão de 17 de julho, (sábado) será acompanhada por audiodescrição (AD), um recurso que traduz imagens em palavras, permitindo que pessoas cegas ou com baixa visão consigam compreender conteúdos audiovisuais ou imagens estáticas, como filmes, fotografias, peças de teatro, entre outros.
 
O recurso é direcionado ao público com deficiência visual, mas pode beneficiar públicos com outras deficiências e idosos. A AD é normalmente utilizada em produtos e serviços culturais, educacionais e de entretenimento, através da disponibilização das descrições utilizando, por exemplo, auscultadores com áudio que descreve/relata o que se passa visualmente no espetáculo.
 
"Hamster Clown" tem a duração de 60 minutos e é para maiores de 14 anos. 
 
Em conversa com Ricardo Neves-Neves, foram desvendados alguns pontos sobre a nova produção, que já subiu ao palco do São Luiz Teatro Municipal em Lisboa e que estará em cena no CineTeatro Louletano este fim de semana.
 
Algarve Primeiro: Como surgiu a ideia de introduzir a audiodescrição neste espetáculo?
 
Ricardo Neves-Neves: É uma luta que já vem de algum tempo e agora conseguimos este apoio para trazer connosco uma equipa de audiodescrição. Neste caso, o espetáculo não tem texto; não é necessário haver língua gestual, mas no próximo espetáculo que vai ser uma ópera, vamos ter língua gestual e também audiodescrição. Estamos satisfeitos porque sempre nos aborreceu um pouco percorrermos o país inteiro e não termos essa possibilidade. 
 
Basicamente o sistema explica às pessoas com baixa visão ou invisuais o que se está a passar em palco, certo?
 
Exatamente, há uma pessoa que fez um novo guião do espetáculo; assistiu ao ensaio e ao espetáculo, construiu um guião quase como se fosse uma nova peça e faz a descrição de tudo o que acontece. O espetador tem um auricular colocado, a pessoa faz essa descrição ao ouvido através de uma cabina e o espetador vai acompanhando o que se está a passar em palco com os efeitos sonoros.
 
 
É uma peça toda ela só com sons e imagens especiais?
 
Exatamente. Eu nunca tinha tido esta experiência de fazer espetáculos sem texto. Uma vez que também sou dramaturgo, a minha fonte é sempre o texto e, desta vez arriscámos fazer um espetáculo sem texto. Eu já queria fazer isto há alguns anos, mas na ocasião achei que não estava à altura e que não tinha grande conhecimento e não tive essa coragem. Agora conheci o Rui Paixão que tem trabalhado em vários esptáculos sem texto, nomeadamente na sua prestação no Cirque du Soleil e convidei-o para fazer um espetáculo comigo e com o Teatro do Eléctrico em que não usávamos a palavra. E o que nós vemos do início ao fim, é uma personagem que ainda não precisou de falar. Isso faz-nos lembrar muitas coisas que nós temos entre a dança e a performance, também algum cinema de Charlie Chaplin. Há muitas referências sobre isso em que as personagens conseguem ser muito claras, mesmo sem usarem a palavra, existe uma história, uma narrativa, uma relação entre a personagem e várias personagens no espaço em que se encontram e o espetador percebe claramente o que se está a passar não havendo a palavra.
 
Quantos atores vão estar em palco?
 
Estará só o Rui, é a figura central do espetáculo. Não quer dizer que não existam outras personagens com quem o Rui interage, falo de adereços de cena, como estátuas gregas que fizemos e que estão em cena e interagem com ele, temos também um pequeno robô que se movimenta no palco e a utilização de vídeo, onde vão aparecendo outras personagens com quem o Rui tem na verdade uma relação.
 
Qual é a mensagem fulcral da peça?
 
É um pouco difícil falar sobre um tema forte do espetáculo, porque o espetador pode ver de várias maneiras. Tenho a certeza de que vai haver muita gente que vai fazer uma ligação a este último ano e meio e aos confinamentos e pensar na solidão. Falo da solidão quando temos um vizinho ou familiar a cem metros de nós e não podemos sair de casa, criou-se este tipo de solidão. E nesta personagem, ela está no seu meio, na sua casa; na sua gaiola, no seu jardim sozinha. E podemos fazer essa ligação com esse confinamento. Tentámos manter-nos positivos e trazer um pouco de alegria à nossa vida. Criámos uma espécie de instinto de sobrevivência para lidar com tudo isto de forma positiva, alegre e com prazer apesar de tudo, o que está refletido neste espetáculo. Mas depois podemos olhar para muitas coisas mais, por exemplo a relação entre as pessoas mesmo havendo só uma personagem em cena, utilizamos várias referências do cinema das artes plásticas, da fotografia, drag queens, já que o Rui é um ator que está a fazer uma personagem feminina e, na verdade, depois da construção do espetáculo, surge muito aquela zona do subconsciente dos sonhos e dos pesadelos recorrentes e então também podemos olhar para este espetáculo como se estivéssemos a ver um sonho ao vivo. Reproduzimos algumas daquelas imagens recorrentes que muita gente sonha, o pressentimento de qualquer coisa, como uma transformação física, matar alguém por engano, queda dos dentes, tudo isso acontece neste espetáculo que nos faz olhar para o subconsciente e para nós de uma forma diferente.