Comportamentos
Tem medo de envelhecer? Este artigo é para si!
A obra: Dorian Gray, escrita em 1891, pelo poeta inglês Oscar Wilde, pode muito bem introduzir este tema cada vez mais abordado nas nossas sociedades com o aumento da esperança média de vida.

 
Se por um lado estamos felizes por vivermos mais, por outro, temos de aprender a enfrentar a passagem do tempo com tudo o que acarreta de alterações e sentimentos.
 
Na sua obra, Oscar Wilde conta a história de um belo jovem que temia de forma tão patológica o envelhecimento que decidiu fazer uma pintura da sua imagem num quadro como forma de “garantir” que a pintura passava por essas alterações físicas e que ele permaneceria jovem. Tal era a dimensão desta mente que não conseguia aceitar com naturalidade a passagem do tempo. Ao pintar este quadro, o jovem acreditava que poderia ter passado para o objeto as transformações inerentes à idade e que ele iria permanecer “cristalizado” na mesma faixa etária.
 
O medo de ter as feições transformadas pelo tempo pode parecer exagerado no relato de Wilde, mas seguramente é motivo de preocupação há incalculáveis anos, ou não se investisse tanto em produtos e terapias de rejuvenescimento e não se falasse na velhice como algo de menos positivo.
 
É verdade, temos medo de envelhecer não só pelo confronto com as alterações físicas, com as capacidades mentais, mas também com o receio da rejeição social, o medo da solidão, o medo “de não ter utilidade”. Estamos hoje a encarar a longevidade de uma forma mais alargada porque temos mais acesso a medicamentos, qualidade de vida e menos conflitos militares em muitas sociedades. Tal não acontecia no passado em que a esperança média de vida se situava por volta dos 40 anos. Era baixa a percentagem de pessoas que ultrapassava esse limite, daí se ter encarado a velhice com a estranheza própria do desconhecimento.
 
Por essa razão, não se aprendeu convenientemente a lidar com a passagem do tempo, a saber tirar partido dela e a encarar a velhice com outras qualidades e interesses.
 
Todos queremos viver mais, mas não queremos ter de lidar com o envelhecimento. Este é um desafio para os novos tempos e que jamais se esgotará, pois com a evolução que temos conhecido a todos os níveis, estima-se que o envelhecimento estará cada vez mais na ordem do dia nas nossas sociedades, sobretudo devido ao considerável aumento da esperança de vida que, em muitos países, ultrapassa os 80 anos, praticamente o dobre do que se registava no início do século XX.
 
Por ser cada vez mais uma necessidade de estudo e de intervenção, a psicologia instituiu o termo gerontofobia a todos os casos de pessoas que têm dificuldade em aceitar a sua idade e que temem confrontar-se com as alterações inerentes à passagem do tempo. A esses casos, é dado um apoio específico com vista a facilitar a compreensão e a aceitação de um processo normal, mas que tem de ser aceite e compreendido por quem passa por ele. Ultrapassando o domínio patológico, é essencial assumir que temos de saber mais acerca da velhice, temos de nos compreender melhor para que nos possamos aceitar e desfrutar da vida em qualidade até ao fim do nosso percurso e, para isso, o conhecimento constitui uma importante ferramenta em qualquer idade.
 
Em tradução académica e clínica, a gerontofobia não é nada mais do que o pavor de envelhecer. A terminologia pode ser novidade, a angústia, porém, não o é. «O conceito é novo, mas o sentimento é tão antigo quanto a história da humanidade», avisa o médico Alexandre Kalache, presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade.
 
Para Kalache, a sensação de inadequação surge quando a sociedade estigmatiza o velho como incapaz e inadequado. A partir de uma «visão equivocada», surgem o preconceito e o temor de ser vítima da reprovação. «Muitos idosos que sentem a gerontofobia têm medo da discriminação» e, por isso, não aceitam que estão a envelhecer. A sociedade usa ‘velho’ no sentido pejorativo, como se ele estivesse a tirar o lugar dos mais novos. «São medos que se alimentam», afirma o especialista.
 
A fobia, no entanto, não é resultado apenas do olhar temeroso do outro. «É também insatisfação com o que se vê diante do espelho», conta a psicoterapeuta Maura de Albanesi. Para esta especialista, a gerontofobia pode ser considerada um «distúrbio de ansiedade que pode surgir em qualquer idade», desde que «o sinónimo de felicidade seja a beleza e a juventude, não importa quanto anos se tem». Uma pessoa pode sofrer desta patologia quando se depara com o primeiro cabelo branco ou sinaliza a primeira ruga no rosto. A pequena marca da passagem do tempo é encarada negativamente, anota a mesma terapeuta.
 
«São pessoas que não conseguem imaginar a vida depois dos 50 anos», considera Maura de Albanesi, acrescentando que, «estas pessoas podem entrar em melancolia O futuro passa a ser algo aterrador».
 
O gerontólogo Vicente Alves, coordenador do mestrado de gerontologia da Universidade Católica de Brasília, considera que, «envelhecer provoca nas pessoas um temor de se reconhecerem no velho; de estarem no lugar dele daqui a uns anos; de não serem estimados pelos parentes ou pela sociedade; de já não serem produtivos».
 
Por tudo isto «é preciso uma mudança imediata nas mentalidades», reforçam os especialistas. Os mais novos têm de aprender a aceitar e a respeitar o envelhecimento, pois quanto melhor o fizerem, mais respeitam os outros e a si mesmos. Envelhecemos a partir do nosso primeiro dia de vida, pelo que, se não perdermos a vida pelo caminho, todos seremos velhos mais cedo ou mais tarde. Depois, é essencial que os mais velhos vão passando pelo tempo com qualidade e desfrutando de cada etapa com prazer e valor. Os mais velhos têm de continuar a acompanhar os temas da atualidade, fazer parte da sociedade e perceberem as mudanças pessoais, mas também que a sociedade está sempre a modificar-se.
 
Aprender a aceitar a passagem do tempo é um requisito para a velhice bem sucedida.
 
A"geratividade", consiste na frutífera e prazerosa troca de conhecimentos e experiências de gerações diferentes. Isto é muito importante para a melhoria da qualidade de vida em todas as idades e, em especial quando somos mais velhos. Não perder “o comboio” do progresso, procurar estar informado e atualizado ajuda muito no prazer que temos na vida.
 
Com o aumento da esperança média de vida, ainda se torna mais num imperativo encarar a velhice como natural e uma fase de muito interesse por parte da sociedade, pois nas próximas décadas, teremos muito mais idosos, e o desafio de aprender a lidar com o nosso próprio envelhecimento.
 
O medo faz com que a pessoa deixe de aproveitar o que tem de bom no momento. «É preciso resignificar a própria vida», sugere Maura de Albanesi assinalando que é preciso falar de envelhecimento ativo e de promover atividades e momentos que despertem novos interesses em qualquer idade e, ao mesmo tempo, perceber que, com mais ou menos medo, vamos envelhecer na mesma, podemos é ter mais ou menos qualidade de vida durante esse percurso.
 
Na sociedade atual, assiste-se cada vez mais ao envelhecimento ativo. As pessoas com mais de 60 anos permanecem nas empresas, criaram negócios, participam em atividades e fazem algo diariamente para preencher o tempo livre quando já estão fora do mercado de trabalho.
 
Não deve ser a idade a decidir o que devemos ou não fazer, mas sim a nossa consciência a tirar partido do melhor que temos e do melhor que conseguimos realizar. Naturalmente que se nos enquadrarmos na nossa faixa etária, mais facilmente aceitamos que é normal ter traços físicos específicos dessa idade. Dessa forma adequamos o vestuário, o corte de cabelo; a nossa aparência de um modo geral. Isso é importante para que continuemos a aceitar-nos e a sermos aceites socialmente, o sentido de estética e o saber estar.
 
Se os mais novos nos encaram como mais velhos seguros, com um sorriso, com vontade de aprender, de estudar, de nos ligarmos às novas tecnologias por exemplo, vão gostar muito mais do que nós do que daquela imagem “do idoso sempre mal disposto e de mal com a vida”. Cabe a cada um de nós decidir onde é que se quer colocar e, quando não consegue lidar com a situação, pedir ajuda técnica especializada. É positivo desfrutar da idade como fonte de experiência e de conhecimento e, ao mesmo tempo, aprender com os mais novos e estimular a nossa mente e criatividade.
 
No passado, muitos idosos não sabiam ler e escrever, hoje podem tirar partido desse recurso para poderem acompanhar o progresso e o mundo à sua volta. Existem muito mais roupas e acessórios adequados à melhoria da qualidade de vida do que o velho lenço e o chapéu que se usou há umas décadas atrás. Temos de ser idosos deste tempo, não a imitação do passado. Só essa sensação de sermos “os novos idosos” já nos deve estimular e ajudar a modificar o preconceito e os estigmas do passado.
 
A viver no campo ou na cidade, muitos idosos têm hoje acesso a informações e a recursos que não tinham no passado e, há sempre muito mais que se pode fazer para melhorar. A nossa sociedade está sempre a evoluir, o importante é acreditar que, os idosos de hoje serão sempre mais evoluídos que os de ontem e menos que os de amanhã.
 
Só para terminar, vale a pena recordar o trabalho da autora do livro, A bela velhice - a antropóloga Mirian Goldenberg que descreveu o resultado de um estudo que desenvolveu desde 2007, com 5 mil pessoas, homens e mulheres, entre os 18 e os 90 anos. O objetivo era compreender como eles e elas encaravam a passagem do tempo, especialmente «numa cultura como a brasileira, em que o corpo tem valor de capital e obviamente o envelhecimento desvaloriza tal bem».
 
O resultado apontou diferenças entre os géneros. Antes de completarem os 60 anos, «elas são as mais incomodadas com as mudanças físicas e as transformações do corpo». Ao mesmo tempo, «as mulheres são muito generosas com o envelhecimento masculino, atribuindo inclusive, uma dose de charme ao volume abdominal dos homens; aos cabelos grisalhos e até a falta deles».
 
De acordo com o estudo, até aos 59 anos, cerca de 38% das mulheres temem envelhecer, enquanto 25% dos homens compartilham a mesma aflição.
 
Depois dos 60, as preocupações, especialmente com o físico, amenizam. Após essa idade, cerca de 19% delas e 10% deles afirmam que têm medo de envelhecer. «Os fantasmas são os mesmos para ambos»: a possibilidade de ter limitações físicas, de depender dos outros, de serem abandonados, de perderem a memória ou de ficarem sem dinheiro».
 
Os homens, especificamente, «mencionaram a preocupação de ficarem inúteis, chatos, deprimidos e sem atividades». Eles acham que «a velhice é tempo de estar com a família, já que passaram boa parte da vida a trabalhar».
 
Por sua vez, elas reavaliam-se depois dos 60. As mulheres acham que envelhecem melhor que os homens. Cuidam-se mais e os efeitos do tempo são menos pesados. Também afirmam que, passado o medo inicial, as mulheres definem a velhice como «o melhor momento da vida». "Elas dizem que, «pela primeira vez, se sentem livres, despreocupadas com a opinião dos outros e que lamentam ter descoberto isso tão tarde», mostra a investigadora.
 
Perante estas conclusões, faz sentido que homens e mulheres encontrem  a melhor forma de encontrar esta liberdade, este bem-estar e esta qualidade de vida.
 
De um modo geral, as mulheres encaram a velhice como uma oportunidade de se encontrarem mais e melhor a si mesmas. É a fase da vida em que podem cuidar de si, em que têm tempo para fazer aquilo que nunca puderam realizar ao longo do seu percurso. Podem aceitar ou recusar, aprenderam a viver o presente e a dizer “não” quando assim o entendem.
 
Segundo a autora do livro, «somente assim se poderia alcançar a dita bela velhice». E cada qual deve encontrar o segredo para conquistá-la. Mas «entre todos esses belos velhos existe algo em comum: um projeto de vida que não passe pelo corpo ou pela aparência».
 
Estes homens e mulheres que querem ter uma bela velhice não se reformaram de si mesmos. Continuam a investir no seu conhecimento e na sua qualidade de vida. Não se renderam aos padrões dos velhos que criticaram no passado e inovaram, fizeram algo novo, procuraram encontrar valor no seu tempo atual.
 
Estes homens e mulheres aceitaram os seus melhores sentimentos, a sua felicidade, qualidade de vida e bem-estar. Aceitaram o desafio de viver um percurso maior e com mais entusiasmo e interesse. Não pensam na morte, muito menos em ficar apagados e encostados à idade. Levantam-se e brindam à vida todos os dias, sabendo que todos temos “altos e baixos”, uns dias melhores do que outros, mas acima de tudo, vontade de viver, de concretizar e de apreciar e estar com quem amamos.
 
Fátima Fernandes