Comportamentos

Temos pressa para ir para onde?

 
Há muito tempo que tenho o desejo de abordar este tema com os nossos leitores, sobretudo porque reparo que andamos numa corrida desenfreada à procura de algo que nos possa preencher o vazio e, isso ainda nos acelera mais.

 
Estamos no tempo Pós-Verdade e, naturalmente que duvidamos de muito do que já acreditámos no passado, como consequência, parece que “o chão nos foge debaixo dos pés” e nos deixa sem saber muito bem naquilo em que podemos acreditar e onde nos podemos agarrar quando temos alguma dificuldade.
 
A família mudou muito, tal como as relações entre as pessoas se tornaram muito competitivas. Perdeu-se ou se calhar nunca se conheceu muito bem, o prazer de estar uns com os outros porque parece que existe sempre um interesse associado.
 
Os casamentos parecem ter cada vez menos duração e, com isso, mais uma correria sempre à procura do amor de alguém.
 
Tudo isto está a fazer desencadear um conjunto de doenças mentais, sendo que a ansiedade e a depressão estão na ordem do dia, como é de calcular. Estamos a viver muito acima das nossas capacidades a todos os níveis, mas sobretudo enquanto humanos. Estamos a responder a solicitações que muito se afastam das nossas capacidades e até interesses, pois se repararmos bem, não estamos felizes com o resultado daquilo que estamos a construir, o que nos deve motivar para uma paragem, para uma avaliação da nossa vida, sem medo de ter de assumir que, muito do que temos não nos fez bem e que não precisamos de tanto como pensávamos para sermos felizes.
 
Claro que o marketing não gosta que as pessoas se apercebam da realidade e, por isso, somos bombardeados a toda a hora com mais incentivos ao consumo, mas temos de ser nós, cidadãos conscientes e responsáveis a saber dizer “não” ao que nos é sugerido. Temos de ser mais fortes que essas imagens que nos bombardeiam por todos os lados sempre com a ilusão da felicidade e de ter mais dinheiro com facilidade.
 
Temos de nos mentalizar de uma vez por todas que, nada nos é dado e ainda menos com facilidade, logo temos de ser nós mesmos a lutar pelos momentos em que podemos ser mais felizes. Ganhamos dinheiro como produto do nosso trabalho e poupança, não por andarmos de um lado para o outro a gastar ainda mais!
 
Se repararmos, a vida está organizada de forma a que nada nos sobre no final de cada mês. Estamos cada vez mais presos a créditos e com mais sufocos só para cumprirmos aquilo que nos é mostrado como felicidade e, a verdade é que somos cada vez mais infelizes e menos livres, pois ninguém o consegue ser desta forma acorrentada à banca.
 
Claro que podemos abdicar do último modelo de smartphone, do último carro que saiu e de ter de estar sempre na moda. Podemos perfeitamente ser felizes com nosso carro desde que lhe seja feita a manutenção, podemos viver com uma TV menos atualizada e um telemóvel que nos permita fazer chamadas.
 
Podemos viver de uma forma mais modesta e mais realista, basta que não convivamos com pessoas que nos fazem sentir mal pelo que temos!
 
Este é mais um ponto que nos acorrenta e que nos faz lidar mal uns com os outros: a competição. Lidamos com pessoas pelo que elas têm e para mostrarmos o que temos e, com isso, perdemos o prazer de estar em grupo num salutar convívio…
 
Se fizermos outras opções para as nossas amizades, somos aceites, respeitados pelo que somos e, perdemos a necessidade de termos de andar a correr atrás dos sonhos dos outros. Vale a pena pensar nisto!
 
Definiu-se tanta coisa para o conceito de felicidade que estamos infelizes por nunca lhe conseguirmos chegar. Então, que tal pensar naquilo que nos dá momentos de felicidade? Que tal aproveitarmos as coisas simples e onde realmente existe o prazer de estar e de sentir? Que tal ter coragem para nos isolarmos um pouco do mundo no nosso tempo livre? E se desligarmos os ecrãs quando estamos nesse tempo livre, será que perdemos algo assim tão importante? 
 
Não podemos fugir da realidade a que assistimos, pois isso é um erro que só arrasta o problema, temos sim de parar, pensar e tentar perceber o que cada um de nós pode fazer para viver melhor e ser mais feliz.
 
O primeiro ponto de partida, é precisamente assumir que estamos a fazer algo errado e, a partir daí, detetar a falha para a podermos ultrapassar. Claro que, para cada problema existe uma solução e que, a mesma existe dentro de nós, simplesmente não ouvimos o que a nossa mente nos diz precisamente pela falta de tempo.
 
Se repararmos, passamos a vida a tentar preencher o tempo, quando é na paragem que está a resposta que nos falta. Podemos afirmar que andamos literalmente ao contrário daquilo que nascemos para ser e para o qual estamos habilitados enquanto humanos. É por essa razão que adoecemos: estamos a exigir do nosso cérebro aquilo que só é exigível a máquinas sem sentimentos, sem emoções, sem necessidades pessoais e sem paragens para pensar.
 
O ser humano não é comparável a uma máquina, por muito que se queira passar essa ideia no nível de exigência a que estamos sujeitos na profissão, na vida pessoal e que já estamos a querer desenvolver nos mais novos com um tempo completamente preenchido.
 
Se abdicarmos de algumas coisas, vamos seguramente ganhar outras. Podemos ganhar menos não fazendo horas extraordinárias ou acumulando outro emprego, mas poupamos em medicamentos e na qualidade de vida. Ganhamos no tempo de qualidade que damos à nossa família e adquirimos hábitos de vida mais saudáveis e felizes. Isso tem preço? É possível pagar o prazer de amar e de ser amado? É disso que se trata. Entramos nesta corrida para ter tudo para sermos amados por alguém. Não só estamos cada vez mais sozinhos, como amamos cada vez menos pela falta de tempo e de dedicação ao outro. Quanto mais temos, mais nos falta e, por isso estamos sempre cada vez mais ansiosos e frustrados.
 
Se sairmos mais cedo de casa, apanhamos menos trânsito. Dormimos menos meia hora, mas chegamos ao trabalho felizes e com tempo para desfrutar do percurso.
 
Se nos deitarmos mais cedo, descansamos mais e melhor. Se desligarmos os telefones e outros equipamentos em casa, acabamos por ter mais tempo em família, por estarmos mais livres, tranquilos e capazes de aproveitar a vida. É claro que não lemos todos os e-mails e atualizações nas redes sociais, mas os mesmos devem ser feitos em horários específicos para o efeito, por isso, conseguimos desligar-nos do mundo tecnológico e estar mais tempo em família.
 
Com esse tempo de qualidade com aqueles que amamos, há menos separações, pois as mesmas resultam precisamente pela falta de tempo e de atenção.
 
Muitas vezes, nem nos apercebemos que, estamos mais tempo ligados às redes sociais do que aos nossos filhos, a nós próprios e ao nosso parceiro…
 
É tudo uma questão de reconstrução. Temos de perceber que, se construímos uma ideia de nós mesmos há uns anos, temos de a reconstruir quando percebemos que não estamos no caminho certo para sermos felizes. Não é vergonha alguma reformular, devemos sim sentir orgulho em identificar aquilo que estamos a fazer mal e a preparar uma alternativa.
 
Não podemos alimentar este ritmo frenético que estamos a construir. De um momento para o outro, parece que todos passamos a gostar das mesmas coisas, de estarmos todos no mesmo local e à mesma hora, quando somos todos únicos e especiais. É a necessidade de saber tudo, de controlar tudo, de nada perder que nos afasta de quem realmente somos e do que sentimos.
 
Se pensarmos bem, qual é a utilidade de estarmos sempre a atualizar as redes sociais? Qual é a vantagem de colocar “um like” numa foto de alguém ou de felicitar um desconhecido pelo seu aniversário?
 
Qual é o benefício de irmos todos para o trabalho à mesma hora e de sufocarmos no trânsito?
 
Se repararmos, somos tão evoluídos mentalmente e, ao mesmo tempo, tão pouco capazes de decidir aquilo que é melhor para nós…
 
Não precisamos de novas religiões para preencher o vazio, precisamos de aprender a viver connosco próprios e sermos felizes com o que temos e somos.
 
Precisamos de criar a nossa fórmula de felicidade e partir de dentro da nossa casa para a sociedade. Precisamos de fechar a nossa privacidade ao exterior e abrir a porta quando sentimos essa necessidade. Precisamos de alimentar os nossos sentimentos com aqueles que nos são queridos e deixar de perder tanto tempo com aquilo que se procura e que não se sabe que importância tem para nós.
 
Temos de deixar de andar atrás da informação e da necessidade de saber tudo só para poder comentar nas redes… Mais vale que reservemos esse tempo para nós mesmos e que votemos no tempo devido, que cumpramos as nossas obrigações enquanto cidadãos e que saibamos educar os nossos filhos para os valores capazes de respeitar o outro em sociedade.
 
Temos tanto por fazer que não se pode dizer que “está tudo feito e sabido” e, isto é a minha modesta opinião. Espero que o possa ter ajudado a melhorar o seu mundo, o nosso mundo. E, já agora, não perca a capacidade de apreciar as boas notícias, pois ninguém suporta andar só atrás daquilo que de menos positivo se passa. Procure saber de forma mais alargada para se manter informado, não se concentre num ponto negativo, muito menos o alimente. O nosso cérebro faz de tudo para apreciar a beleza da vida, não o contamine com tóxicos!
 
Fátima Fernandes