Família

Como podem “pais obedientes” educar para a liberdade?

 
Eis uma questão que se deveria colocar diariamente sobre a mesa, sobretudo quando a paciência é escassa e se procuram formas de melhorar o relacionamento familiar.

 
Qualquer um de nós, à sua maneira, conhece um tipo de educação baseada na imposição, na obediência e no medo. 
 
Naturalmente a voz mais rígida de um dos progenitores uma respiração mais profunda ou um olhar ameaçador serviam para transmitir mensagens aos filhos nas mais variadas situações. 
 
Ainda hoje há quem reclame este modelo de educação que, em teoria “poderia ultrapassar os problemas de indisciplina nas mais variadas situações, em especial na escola”, mas a questão é que as novas gerações não “entram no jogo do medo e da imposição”. E porquê?
 
Tendo por base alguns dados publicados no fotomamifera.com.br, faz parte do desenvolvimento, faz parte de um novo tempo em que os mais novos exigem um esclarecimento para um “não podes”, em que as crianças sentem necessidade de compreender a razão pela qual “é feio” dizer isto ou aquilo ou é punível cometer um ato qualquer.
 
Isto não quer dizer que as crianças não aceitam a repreensão ou que não estão “equipadas” para serem responsáveis, inteligentes, capazes de respeitar o outro e cumprir regras, traduz apenas que, querem uma justificação para que tal aconteça ou lhes seja proibido.
 
Para os pais o problema reside em algo tão simples como educar para essa abertura, quando só se conhecem traços de obediência sem uma explicação para a proibição ou para a autorização. “No passado-recente mão se comia um chocolate e ponto final. 
 
Não se dormia na casa da avó porque os pais não queriam”. Hoje é preciso explicar que os doces fazem mal à saúde, que não é oportuno dormir na casa da avó nesse dia, mas que se pode fazê-lo noutro momento em que todos estejam de acordo.
 
É este infinito de “porquês” que deixa os pais “desarmados” e a acreditar que não sabem educar e que “o melhor é deixar andar e ver no que isto dá”1
 
Na posição dos especialistas, o problema não se resume aos pais, mas também aos educadores e professores que ainda não conseguiram perceber que a educação exige uma nova dinâmica e exigências mais atualizadas. 
 
Os problemas de indisciplina resultam precisamente de uma incompreensão generalizada que tem dado lugar a “pequenos ditadores” sem idade para responderem pelos seus atos, mas que só queriam uma explicação para não poderem fazer uma determinada escolha.
 
Claro que a base da educação tem mesmo de partir da família. São os pais os principais exemplos do “certo e do errado” para os filhos. 
 
É do seio da família que surgem as orientações para a sociedade nas mais variadas áreas. Se os pais investem no diálogo e no rigor com base na compreensão e no respeito pelo outro, esse será o formato que os filhos vão procurar na escola e nas mais variadas situações em que participam.
 
O mesmo se passa quando a família deixa andar e adia a conversa, a exigência e uma atitude participativa na educação dos filhos. 
 
Muitas famílias instituíram a ideia de que “não faço nada deles; então a escola, as autoridades e daí por diante que se responsabilizem por aquilo que deveria ser eu a fazer. 
 
Como não dou atenção, não respondo ás perguntas, não tenho tempo, não posso abdicar dos momentos que tenho livres para estar a explicar isto e aquilo aos meus filhos, entro nesta ‘onda’ de nada poder fazer, de não conseguir entender esta geração e, arrasto o problema com a barriga”.
 
Quantos professores já ouviram este tipo de relatos?
 
Mas os professores também assumem um papel relevante no processo. 
 
Não só devem chamar os pais a si como investir num modelo educativo mais livre e baseado no respeito e na compreensão mútua, pois de nada serve a escola querer uma obediência que caiu em desuso e que ninguém reconhece.
 
No fundo “as crianças só querem atenção, só querem descobrir o mundo e aceitam a negação. É preciso é que lhes seja explicado o motivo dessa atitude. Uma vez compreendida a causa ou explicada a situação, tudo se torna mais fácil e agradável.
 
É neste sentido que, os especialistas em comportamento humano reforçam a importância de os pais se “dotarem de uma boa dose de argumentos para explicar aos filhos a realidade, pois não basta dizer ‘não’. Para que a mensagem seja eficaz, implica que se entenda o motivo dessa negação”.
 
O mesmo se passa na escola. “É essencial explicar as regras de bom funcionamento e estabelecer uma relação horizontal entre professores e alunos. Todos são parte integrante e interessada no processo, pelo que não basta depositar conteúdos. O professor tem de estar preparado para ir mais longe na análise e nas suas respostas e saber dizer ‘não sei’ se for caso disso”.
 
Cada vez mais se deve apostar na máxima de que, “não há mestres, não há aprendizes – ou melhor, há mestres que são também aprendizes, há aprendizes que são também mestres, e os papéis misturam-se e confundem-se nas mais variadas experiências e situações. 
Todos ensinam e aprendem em conjunto, todos se empenham num processo de construção de novas oportunidades”. Para tal, temos de ter a mente muito desperta para o conhecimento, para as novas gerações e para os novos desafios.
 
Pais, educadores e professores que se fechem para este progresso, provavelmente terão muitos mais problemas de indisciplina, de incompreensão e de fracasso, pois este é o movimento da vida que se quer para este tempo presente: estar disponível para abrir novos horizontes, para colocar em causa conhecimentos do passado e para lhes dar um novo sentido.
 
Claro que os mais novos apreciam as histórias do passado quando lhes são explicadas, quando lhes são permitidas questões e, sobretudo quando se estabelece um ambiente de troca de saberes que implica que eles também se assumam como protagonistas no processo.
 
“Uma criança gosta de uma história quando pode contar a sua versão dos factos, quando se sente envolvida no conteúdo e quando lhe é permitido participar”.
 
Para Eduardo Sá, “esta é a geração de pais melhor preparados para educar e para compreender as crianças”, razão pela qual devemos estar abertos ao que elas nos exigem e reformular a forma como vincamos a nossa “autoridade parental”.
 
Para produzir crianças, jovens e adultos mais autónomos, temos forçosamente que abrir mão da nossa perspetiva limitada de encarar o mundo, de considerar que “é assim porque sim” e permitir-nos evoluir com os mais novos. 
 
As crianças precisam de fazer as suas próprias descobertas, conquistas e, sobretudo de errar para voltar a fazer. É nessa base que temos de idealizar a educação e que temos de investir para termos adultos trabalhadores, inteligentes e felizes.
 
O facto de se explicar aos filhos ou aos alunos o que se vai passar e quais as razões que estão por detrás de uma determinada escolha, não quer dizer perda de autoridade, mas sim uma nova forma de marcar a autoridade com os filhos ou educandos.
 
Será a negociação a base deste processo que forçosamente tem exigências, responsabilidades, objetivos e metas a cumprir. 
 
Não é por se democratizar a educação que se perde o respeito e a autoridade, muito pelo contrário, o sujeito torna-se mais responsável pelo processo que entende, do qual faz parte e onde tem o seu papel, sabendo que a falha prejudica todos e que o erro tem de ser corrigido em conjunto.
 
Em suma, devemos envolver as crianças no seu próprio processo de desenvolvimento e perceber que, os mais novos não têm pressa em chegar onde quer quer seja, pelo que cabe aos pais orientar as escolhas, sugerir desafios e dar-lhes tempo para brincar e crescer de forma saudável e equilibrada. Pelo meio deve existir diálogo, compreensão, regras e metas a atingir em cada etapa.
 
Fátima Fernandes